15
Fev08
Do portão da casa para dentro
Rui Vasco Neto
Daniel, querido amigo. Enganaste-me, em privado. Dizes que mandas um 'poema com uma casa dentro' e envias-me um edifício poético com um poeta lá dentro. Resultado? Acendeste-me a saudade de casa. 'E a casa faz falta mesmo quando já não existe. Mesmo quando os seus telhados de vidro são frágeis como a saudade e inúteis como o remorso'. Não resisti, passei por lá só de fugida. Tem as cortinas corridas e as portadas fechadas, mas a porta está sempre no trinco para facilitar a visita. Trouxe-te este enfeite, estava por lá. Tem música própria, a meias com o Paulo Jorge Santos, guitarrista de eleição, e só foi editado há quatro anos. Mas tem uns bons vinte anos de escrito. Nunca mais me enganes.
Hoje, meu amor, esquece o meu nome
não me esperes mais que eu vou para a rua
beber, fugir de mim, gritar à Lua,
brincar de faz de conta até poder.
Hoje, eu digo a todos os meus medos
que em noites de festa eu sou perfeito
e deixo em casa as mágoas e os segredos
que pesam toneladas no meu peito.
Sinto um recado no ar:
"que os ventos da loucura te protejam,
que os sonhos sejam sonhos que se vejam,
que vidas pequeninas temos nós".
Sigo a voz que sopra aos meus ouvidos
os mais lindos versos que há memória
e deixo-me ir, no embalo dos sentidos,
sonhar dias de sol, noites de glória.
Sempre iguais, os dias continuam;
mal acaba a noite lá vou eu
dizer-te que a manhã escondeu a Lua
e a voz dos versos desapareceu,
o sonho que eu sonhava amanheceu,
e a minha fantasia adormeceu.