Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

More than meets the eye

Sete Vidas Como os gatos

04
Mar08

Shit happens

Rui Vasco Neto
Gostava de encontrar o tom certo para dizer aquilo que quero escrever neste momento. Um tom asséptico, factual e distante das emoções, o que nesta circunstância já seria difícil se o assunto fosse caracóis. Ou orquídeas. Ora o assunto aqui é jornalismo e isso complica tudo. É abominável o tom censório e o falso moralismo dos habituais donos da verdade, jamais o arriscaria em consciência. É caricato o tom arrependido do pecador reformado, e para mais fica-me curto nas mangas. Tem que ser um tom audível e cristalino na sua clareza, isso eu sei, algo entre o firme e o hirto. E nada de meios tons, toda a indignação por inteiro sem por isso comprometer a justeza da convicção. E sem semitonar, sempre afinado na alma. Tentemos, pois. Vamos aos factos.

O Diário de Notícias de ontem escolheu publicar duas fotos de Alexandra Neno, assassinada sexta-feira passada em Sacavém, mostrando dois momentos do fim da jovem, entre tentativas de reanimação e exame policial, camisa rasgada e seios expostos, um corpo como tantos outros de outros tantos flagrantes do crime urbano, aqui ou na América, Brasil ou Venezuela. A primeira foto faz a chamada de capa em formato reduzido, a segunda surge centrada nas páginas 2 e 3, já em formato ampliado. Na foto de capa, o jornal optou por acentuar um efeito de luz na imagem para semi-desfocar o peito nu de Alexandra, mas na foto interior o aproveitamento da morbidez tem intenção total e tão evidente como escusada: a foto da capa já era furo bastante. De resto teve dupla publicação, simultânea com o 24Horas, o que, mesmo sendo uma estratégia compreensível, não deixa de ser uma cumplicidade de mercado algo bizarra, convenhamos.

Gostava de encontrar o tom certo para dizer aquilo que estou a escrever neste momento. É certo que um corpo é apenas um corpo, como tantos outros de outros tantos flagrantes do crime urbano, aqui ou na América, Brasil ou Venezuela. Eu tenho consciência desse facto, conheço e defendo na essência os critérios que presidem à publicação diária dos milhares de imagens que ilustram (e ainda bem) a nossa informação. E não sou ninguém para leccionar ética, nem pretensões tenho a ser alguém assim. Só pergunto se este critério em particular não se esticou um nadita, se não terá passado da linha que marca o fim do furo jornalístico e acabado por enterrar o pé num buraco jornalístico em vez do furo, nas bordas do decoro. É que Portugal não é a América, o Brasil ou a Venezuela. E qualquer semelhança só pode ser uma lamentável coincidência, nunca encorajável com inopinadas latitudes editoriais vindas do grande jornal diário de referência. Digam-me, por favor, se vejo mal. Eu, sinceramente, não gostei. Achei gratuito e de mau gosto. Uma página escusada no DN, digo com pena. No tom certo, espero.

1 comentário

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Sete vidas mais uma: Pedro Bicudo

RTP, Açores

Sete vidas mais uma: Soledade Martinho Costa

Poema renascido

Arquivo

  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2012
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2011
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2010
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2009
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2008
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2007
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D