Auto da Mazurca
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
Personagens:
Gaúcho
Caipira
Gaúcho – Os sábios da Academia
Escolhem mui bem seus pares.
Caipira – Pois quem melhor poderia
Escolher
Os doutores que poria
Nos nichos dos seus altares?
G – A saber:
São todos da mesma escola.
C – Talvez não... há diferenças...
G – Mas muito fortes par’cenças...
E deram esta de esmola:
Lá conseguiram tirar
Um Coelho da cartola.
C – Tens inveja do proveito?
G – Nem pensar!
À noite, quando me deito,
Dou voltas na minha cama,
Mas nunca perdi o sono
Por um trono,
Quinze minutos de fama,
Ou mais que pão p’ra comer
E roupa para vestir.
C – E que mais querias ter?
G – Querer mais é ter motivos
De carpir.
O que importa é sermos vivos.
C – Cada qual tem o seu teto,
Só nele deve chupar,
Mas não chupe até secar.
G – Pois... e a Mazurca Barreto
Pôs os seus dois bem à vista.
C – Como foi? Conta-me a história.
G – Tinha uma capa assinada,
Por gente muito afamada,
Que quer ficar na memória
De umas quantas gerações.
Com um simples gesto apenas
Despiu-a,
Entre tantos figurões
Ciosos de suas penas.
C – E aquela gente viu-a?
G – De calcinhas transparentes.
C – Mais nada?
Era o mesmo que ver tudo...
Oh! que almas impenitentes!
Oh! que mulher descarada!
(Mas eu gostava de ver...)
G – Olha que um corpo desnudo
No meio da multidão
Nunca é de apetecer.
C – Não vejo a dif’renciação...
G – Todo o sentido se muda
Na mulher que se desnuda
Ante mil olhos ou dois.
C – Por quem sois...
G – Não há qualquer semelhança.
C – Não percebo onde a mudança...
Não é como estarmos sós?
G – Quem parece nu então,
Numa tal ocasião,
Não é o nu, somos nós!