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04
Mar08

Os medos do Cardeal

Rui Vasco Neto
D. José Policarpo deu uma entrevista ao SOL que promete dar que falar. Nela o Cardeal de Lisboa é pai desta criança, entre outras: «As pessoas começam por esbarrar com as dificuldades e habituam-se à ideia de um só filho. Desde que se quebre o coeficiente de equilíbrio a sociedade fica aberta a ser ocupada por gente vinda do terror e vinda do Ocidente e do Oriente como diz o Evangelho. O que faz com que seja previsível que dentro de alguns anos as sociedades europeias percam a sua fisionomia do ponto de vista religioso, do ponto de vista comportamental, cultural. Como se sabe, já há sociedades europeias a braços com a multiculturalidade e com a dificuldade de harmonia entre as diversas procedências da população, de que por um lado precisamos.» Apetitoso, convenhamos. Não só pelo imponente conjunto de reflexões que glosam o tema da natalidade, mas também e sobretudo pelo recurso ao Evangelho como lastro para este balão largado no céu da multiculturalidade como um grande alerta de ameaça eminente.

Ao socorrer-se do Evangelho em busca de um aval de razão que lhe faltava nas palavras, D. José Policarpo não terá sido propriamente feliz, digo eu. Afinal, onde reza a Palavra que um tal de 'coeficiente de equilíbrio' tem que ser mantido na procriação do Homem? E essa 'gente vinda do terror', é digna da nossa caridosa aceitação cristã ou será merecedora do estigma de um justificado receio? D. José Policarpo não explicita a resposta a estas perguntas. Está preocupado com uma visão do apocalipse que resultará da quebra da natalidade em Portugal, com a sequente invasão de estrangeiros/infiéis que virão minar por dentro uma suposta harmonia do Ocidente. Daí a solução milagrosa que recomenda: «A Igreja defende a fecundidade responsável e generosa», garante. E não estará sozinho na convicção, basta recordar o recente apelo desesperado do Presidente da República: «Mas afinal o que é preciso para os portugueses fazerem mais bébés?». Vá lá, Cavaco não citou a Constituição como D. José Policarpo citou as Escrituras, a meu ver de forma pouco feliz, já que não vislumbro outro contexto para a tal gente "vinda do Ocidente e do Oriente como diz o Evangelho", que não seja o do episódio com o Centurião de Cafarnaúm que diz a Cristo: «Senhor, eu não sou digno que entres debaixo do meu tecto; mas dize uma só palavra e o meu servo será curado.» (...) Jesus ao ouvi-lo, admirou-Se e disse aos que O seguiam: «Em verdade vos digo: Não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé! Digo-vos que do Oriente e do Ocidente muitos virão sentar-se à mesa com Abraão, Isaac e Jacob no reino dos céus, ao passo que os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes» (Mt 8, 5-12). Não. Não me parece que tenha sido este o sentido que D. José Policarpo buscava na sua referência ao Evangelho.

Ao aceitar como "previsível que dentro de alguns anos as sociedades europeias percam a sua fisionomia do ponto de vista religioso, do ponto de vista comportamental, cultural", o Cardeal de Lisboa denuncia a escassez de confiança que lhe vai na alma quanto à capacidade evangelizadora da Igreja a que pertence. Numa análise extrema, revela mesmo a dimensão da sua fé nesse Cristo ressuscitado que é ponto de partida e chegada numa Igreja que proclamou a sua universalidade bem alto no Concílio Ecuménico Vaticano II.
Ao confessar temer pela continuidade de uma 'harmonia ocidental' que eu desconhecia existir, face à invasão da tal gente vinda do terror, D. José Policarpo despe dos seus medos o agasalho do recato e exibe-os à nação com intenção engatilhada. Só Deus saberá ao certo qual é essa intenção. Porque o que fica desta entrevista do Cardeal é duvidoso, no melhor dos adjectivos. Sendo que os mais intolerantes escolherão outro, pela certa: xenófobo. Um exagero, convenhamos.

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