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Mai08
Eu e o velho eu
Rui Vasco Neto
O velho eu tinha bastas diferenças com este novo, nem sequer vou por aí, pela mudança em números, pela contabilidade pura e dura do que mudou. Deixem-se disso, vá lá, não é a altura nem o local, um dia, quem sabe. Concentremo-nos por agora só no que interessa para já, na circunstância: a informática. Isso mesmo, falemos de informática, enfim, mais ou menos.
O velho eu tinha um não sei quê com os computadores, eles e ele, ele e os ditos, enfim, não há por onde nem porque fugir, contornar o que era facto, melhor dizê-lo de uma vez: o velho eu era burro que nem uma porta, duas portas, todas as portas desde que fossem USB. Não era bem uma incompatibilidade, era mais a ausência total de qualquer compatibilidade que preenchesse os mínimos essenciais para a interacção dos dois, eu e o computador. Quer dizer, ele, o velho eu e o computador, era o que eu queria dizer, porque para este euzinho aqui, eu próprio, para este euzíssimo renovado e enxuto a coisa não tem espinhas e acabaram-se os dramas, ou quase. O esforço compensou e o milagre aconteceu.
Hoje eu trato por tu cada byte, já domino, aparo no peito, dou de calcanhar, enfim, com exagero e tudo, pronto, talvez nem tanto um bocadinho, mas o que eu quero dizer é que já consigo ligar e desligar, por exemplo, e fazer mais umas coisitas como escrever e postar os meus textos e fotos, tudo completamente sozinho e sem qualquer ajuda externa. Não é fantástico? Era isto que eu queria dizer. Já é bom, ou não? E era isto que eu queria fazer, o que era óptimo se conseguisse, mas acontece que não consigo e daí estar para aqui com esta conversa toda, a ver se passa incógnita a burrice desta súbita recaída na fatalidade de uma parecença com o velho eu, esse personagem abstruso e abominável que pensava que download era um ritmo, um compasso seis por quatro, sei lá, o inferno às quintas.
Pois todo esse pesadelo está de volta agora e antes fosse em Elm Street, mas não, aterrou no meu lap top ao mesmo tempo que o 7vidas aterrava no Sapo. Veio no pacote, por assim dizer. E agora, a cada tentativa de post, a cada nova experiência de fotografia, a cada coisa nova os terrores antigos da incomunicabilidade absoluta entre a máquina e o tal velhadas estão de volta, a galope. Invadem toda a área habitualmente reservada à capacidade de reacção e transformam o raciocínio numa tenda de circo e o pensamento numa mulher barbuda com três verrugas e a cara de um sapo. A sua imagem é tudo o que eu vejo na minha mente quando esta coisa bloqueia e fica a pensar, a pensar, a pensar. Eu penso no Sapo, só vejo a cara do sapo. E quando eu quero mudar um tipo de letra e mudam as cores, mudam os tamanhos, mudam os sinais, apagam-se os comentários, muda aquela merda toda e desaparece o texto todo menos aquelas duas linhazinhas, escondidas lá para o fim do que era suposto ser o post e exibindo, com um garbo suspeito, o tal tipo de letra que era a única coisa que eu queria ter mudado e não consegui? Eu cá penso no Sapo, na mulher barbuda, nos terrores informáticos e no sacana do velho que eu já julgava despachado de vez da minha vida. E vejo-me obrigado a concluir, nada a fazer, mesmo que só para os meus botões: esta mudança de endereço é coisa para ainda me sair carota nas contas do psicanalista.