Na tartaruga a mudança
Já aqui vos falei deste blog diferente, várias vezes. Chama-se Atlântico Expresso e é uma espécie de postal ilustrado de Cabo Verde, sempre actual e pintado com as cores reais do dia-a-dia daquele palop, nas crónicas epistolares que Fernando Peixeiro escreve da cidade da Praia com destino a António Martins Neves, também jornalista, que em Lisboa completa o par de autores deste blog. São prosas fascinantes, todas, poéticas algumas, sofridas muitas, hilariantes uma ou outra. No conjunto, geniais. São prosas como esta, publicada no dia 4 deste mês de Agosto e da qual retirei o pequeno excerto que se segue, verdadeiramente imperdível. E autêntico, enquanto documento político-social da actualidade cabo-verdiana. Ora vejam, por favor.
«(..)Há mais de 10 anos que é proibido matar tartarugas em Cabo Verde, mas também nesse tempo nunca ninguém foi impedido ou penalizado por o fazer. Só que agora as coisas estão a mudar e se o governo pouco fez é outro tipo de penalização que começa a nascer, como as ervinhas mal cai uma chuvada, a penalização social. E há três dias, num gesto que eu acho muito louvável, José Maria Neves pediu aos cabo-verdianos para que a partir de agora não comam “nem mais uma fatia de tartaruga”. Aproveitando a inauguração da primeira Feira Ambiental do país (coisa bonita também), o primeiro-ministro não fez ameaças, não falou de novas leis, não criticou ninguém. Pediu. “Um dos nossos desafios é o de que ninguém coma ou mate tartaruga a partir de agora. É um símbolo de Cabo Verde, da nossa beleza, da nossa grandeza. Cabo Verde deve ter um crescimento com forte sustentabilidade ambiental”. Dito isto o primeiro-ministro pediu ainda ao povo que dê as mãos nesta cruzada, que proteja as tartarugas e que condene na praça pública não só aqueles que matam mas também os que comem a carne.
Tinha de te falar disto porque parece-me a mim que é sinal de que alguma coisa está a mudar. Pelas associações, pelos programas na televisão, pelas prisões e pelo desejo bem expresso do governo de que é preciso proteger o ambiente (pelo menos desejo). As tartarugas mas também as praias, a gestão do lixo, o impacto ambiental, a apanha de areia… é certo que ainda se partem garrafas em qualquer lado, se deita lixo pelas janelas dos automóveis, se apanha areia na praia para construir casas. É certo que as praias ainda funcionam como casa de banho e que as acácias continuam desenfreadamente a parir sacos de plástico. Mas, caro amigo, tenho muita esperança em que as coisas estejam a mudar. E lá onde é preciso, na cabeça das pessoas.»
Já aqui vos tinha falado deste blog diferente, várias vezes. Chama-se Atlântico Expresso e é uma espécie de postal ilustrado de Cabo Verde, essa terra maravilhosa onde a mudança vai chegando aos poucos, muito, muito devagar. A passo de tartaruga.