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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

04
Dez08

Lagoa

Rui Vasco Neto

Ora então aqui vamos nós outra vez, seguindo viagem pelos caminhos da minha ilha e guiados pela prosa superior do meu amigo Daniel de Sá. É dia de festa cá na casa, que o caso não é para menos: estamos vivos e ainda temos passeio, bem bom que assim é. Começámos aqui, lembram-se? Depois passámos por aqui e fizemos paragem mais prolongada aqui, da última vez, enquanto mestre Daniel recuperava o fôlego para continuar a jornada que as pernitas já não serão o que eram, digo eu que me queixo do mesmo. E hoje lá vamos cantando e rindo, salvo seja, com mais esta crónica recheda de imagens de sonho para mais tarde recordar. É São Miguel que assim se vai revelando, passo a passo, nas palavras de um dos seus filhos mais dedicados. E orgulhoso da subida honra de ser grão desta areia, tal como eu. Não é para todos. 

Em baixo: "Lagoa"

Sete vidas mais uma: Daniel de Sá

 

 

O viajante pensa que, se a Lagoa fosse um reino, a Caloura seria a sua jóia da coroa. Jóia deste concelho que poderia parecer destinado a ter pouca importância. Porque a Lagoa está praticamente na periferia de Ponta Delgada. Que, à medida da ilha, é um centro urbano capaz de tornar em satélites as povoações vizinhas.  Mas esta vila não se deixou arrastar pela força de gravidade da maior urbe do arquipélago. Criou a sua vida própria. A sua indústria foi sempre activa e inovadora. Mesmo quando não pretendeu mais do que ser utilitária, com a sua loiça de barro ou a sua fábrica de papel de materiais reciclados.

 

É uma vila onde o viajante gosta de passar e de estar. Sem a asfixia das grandes pressas. Para contemplar o recorte da costa ou o desenho das ruas e a claridade do seu urbanismo.

 

O viajante ia já dizer que o concelho da Lagoa tem de particular ser o único nos Açores com duas vilas, mas lembrou-se a tempo de que no da Calheta, em São Jorge, há a do Topo. Caminhando para nascente, encontra-se a outra, a de Água de Pau. Ambas antigas, mas esta ainda mais antiga do que a sede do concelho. Depois de um período de grande desenvolvimento, Água de Pau não resistiu à falta de recursos, e o seu município foi extinto. Mas conservou, e até como que readquiriu, a dignidade da sua nobreza. Que é também uma nobreza de carácter. É que um povoado tem carácter. Que reflecte a maneira de ser da sua gente. Também nesta há cantos e recantos a ver devagar. Por onde dá gosto vaguear. É a Água de Pau que pertence a tal jóia da coroa. A Caloura. Uma paisagem que muda de repente, como se não fosse parte da mesma ilha.

 

O viajante gostaria de poder escrever de maneira a que nem sequer se desse pelas palavras. Como a música de um violino em que não se ouve o som do arco nem dos dedos a saltitar nas cordas. Ou como uma toalha de linho branco, sem desenhos nem bordados, lisa, que pareça estar na mesa apenas para realçar a baixela. Ao viajante fascina sobretudo o porto, cheio de esmagadoras memórias da lava que criou aquele espaço de surpresas. E que tem ao lado o primeiro convento de freiras que houve nos Açores. Aonde foi parar a imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Segundo consta da lenda, vindo pelo mar, náufrago não se sabe onde nem como. Ou, segundo conta a história, e talvez de modo tão lendário como a própria lenda, oferecido pelo Papa Paulo III a duas jovens que teriam ido a Roma pedir autorização para fundar o mosteiro. Muito perto, apenas separados por muros de pedra sobre pedra, o como que impossível museu de arte do Centro Cultural da Caloura..

 

O viajante expôs a toalha lisa do linho rústico das suas palavras. E o banquete está pronto para os olhos. Desde que se entra no concelho, pela Lagoa, até que se sai, pela Ribeira Chã. Ou no sentido contrário. Uma viagem que apetece fazer olhando para trás, vendo a paisagem crescer.

 

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