Os dias mundiais deste mundo
Talvez por ser meio do contra, dizem, esta coisa dos dias mundiais disto e daquilo sempre me incomodou um nadita, confesso. É que vem o dia mundial da árvore e toda a gente ama a natureza, vem o dia mundial da SIDA e toda a gente esquece o preconceito, vem o dia mundial da música e vira o disco e toca o mesmo e eu na minha, sem saber o que fazer com o resto do ano em que anda tudo nas tintas para a nobreza de princípios que fez acontecer as efemérides e a borrar a opa usada no dia da festança nacional. Isto até para o ano, claro, todos os anos.
Assim, por norma de mau feitio só dou feriado ao cepticismo quando chega o Dia Mundial da Criança, talvez pela indiscutível justeza do destaque ou talvez pela secreta esperança que ainda vou alimentando, muito em segredo, de que este mundo dos homens venha algum dia a entender a sério que só cuidando dos rebentos se poderá vir a obter colheita de jeito e sem tanta fruta podre como a que em tanto por aí se tropeça, no passo a passo dos dias a caminho do futuro.
Seja pelo que for, a verdade é que todos os anos o meu coração celebra este dia que supostamente deveria recordar à humanidade esse direito inalienável que todos os homens têm de ser meninos em tempo próprio, condenando ao eterno despropósito a dedicatória de Soeiro Pereira Gomes nesse 'Esteiros' que tanto marcou a minha aprendizagem da alma humana, mais um curso que nunca terminarei. Este ano não foi excepção e iniciei as festividades a preceito, lembrando o rosto de cada um dos meus filhos ao nascer. Depois estiquei a festa ao procurar o bébé que todos fomos em cada ser que hoje cruzou o meu caminho, mesmo no meio deste imenso desencontro em que vivemos. E só guardei os foguetes quando vi esta notícia de hoje, dia 1 de Junho, Dia Mundial da Criança. Aí toldei-me de luto e anuviei o entusiasmo e a fé na minha espécie. Só por aguardar confirmação de um juízo superior mantive a esperança intocável, nem permiti que ela ouvisse uma palavra sobre o assunto. Por isso e por outra razão, mais egoísta, mais minha e só minha: é que para o ano há mais, mais dias, mais crianças, mais mundo. Mais e melhor, quero acreditar.