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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

30
Dez07

Lógica Calé

Rui Vasco Neto
Há várias lógicas, todas perversas, ao longo de toda a notícia do 'Correio da Manhã' que conta a história de um cigano de 27 anos que engravidou uma menina de 11, da mesma etnia. Deixemos o essencial por um momento. O facto em si, que é de horror para todos nós. Uma gravidez aos 11 anos é difícil de aceitar seja por quem for, e eu tenho uma filha com 10 e outra com 12 anos de idade. Tudo dito, penso eu, por esse lado. Façamos então um esforço de concentração nos pequenos pormenores que supostamente apenas compõem este despacho.

O perfil do criminoso, para começar. «Ao que o CM apurou, o detido, natural de Anadia, foi apanhado, há oito anos, a roubar uma fábrica abandonada, aproveitando quilos de cobre e de ferro que se encontravam sem uso, mas com dono identificado. Mas não é só. O abusador terá entrado na comunidade cigana por via do negócio da droga. Numa ‘visita’ da GNR de Oliveira do Bairro, foi encontrado na posse de várias doses de haxixe, peculiarmente amarradas a um prego que ajudava a segurar a barraca onde vivia. Mas já noutras patrulhas ao mesmo acantonamento cigano, Luís – que possui agora a sua própria habitação, de pequenas dimensões, mas de cimento – sempre preferiu evitar as autoridades. Ainda assim, a GNR não o define como alguém perigoso. “Nunca nos faltou ao respeito e não temos conhecimento de grandes desentendimentos verbais ou físicos em que esteja envolvido. Mas que é uma rica peça, é”, deixa escapar um agente da autoridade: “Ou anda com gente a mais no carro ou é visado com multas de estacionamento. Esse tipo de delitos.» Lógica perversa número um.

«Mesmo entre a comunidade na qual está inserido, Luís não gera consenso. Apesar da gravidez precoce ser relativamente comum na etnia cigana, a diferença de idades parece ter desgostado a família da criança, de tal forma que não faltaram reclamações na GNR local. Apesar de tudo, os familiares da menina acabaram por aceitar a situação, desde que o pai da criança assumisse as suas responsabilidades.» Lógica perversa número dois.

«Entre a vizinhança, a notícia dos abusos mereceu natural reprovação, mas ninguém quis estender-se nos comentários. “A mim, desde que não invadam a minha propriedade, podem fazer o que lhes der na cabeça, afirmou uma vizinha, que preferiu o anonimato. » Lógicas perversas números três e quatro.

«Contudo, não seria apenas com a futura mãe que Luís mantinha relações sexuais. Segundo a GNR, conhecedora do dia-a-dia no acantonamento, o agora detido tinha outros relacionamentos com menores.» Lógicas perversas números cinco e seis, suposição número oitenta e três.

«A Polícia Judiciária de Aveiro prendeu o mesmo suspeito duas vezes. A primeira foi no início do mês, depois de ter confirmado que a menina efectivamente estava grávida e que aquele indivíduo era o pai da criança. O suspeito foi identificado, constituído arguido, mas os magistrados entenderam que não podia ser detido.» Lógica perversa número sete.

«Voltou a ser preso na passada quinta-feira e desta vez a PJ já não o libertou. Apresentou-o sob detenção ao juiz de instrução de Oliveira do Bairro que decidiu pela mais gravosa medida de coacção. Por ter entendido que haveria perigo de continuação da actividade criminosa, mantendo-se também o perigo de fuga, consumado aliás na primeira abordagem policial. O magistrado defendeu também que a libertação provocaria alarme social. » Lógicas números oito, nove, dez e seguintes, todas perversas, todas iguais.

«Com pequenas casas em tijolo, um caminho de terra que apenas tem ligação às mesmas e água canalizada, o acampamento em Oliveira do Bairro foge ao habitual. O facto é que o terreno onde habitam é mesmo pertença dos ciganos, pelo que foi obrigatório à Câmara ceder-lhes esse tipo de privilégios.» é o último exemplo que vou citar. Para mim, que já li, reli e treli a notícia toda, qualquer espírito isento detecta por aqui uma lógica perversa, se não várias. Só mesmo eu, mal intencionado sem coração, conseguiria ver aqui preconceito ou racismo.

30
Dez07

Um sítio chamado Aqui

Rui Vasco Neto
Marcolino Candeias criou uma personagem magnífica, o Joe Cannoa, um contador de histórias fantásticas, capaz até de ressuscitar Lázaro uma segunda vez. João Ubaldo Ribeiro deu vida a muitas personagens tão deliciosas como as do Marcolino. Esta é uma tentativa de homenagear um e outro, através de um emigrante açoriano em terras brasileiras, vagamente primo do Joe Cannoa, que para lá foi em criança e que, do que diz, pouco soa à linguagem de pai e mãe.
(Nota do autor)


Em baixo: "Um sítio chamado aqui".
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá.


Baiano tem famas bem ruins. Todo mundo o desconsidera como sujo e vagal, e mais ainda que, tendo esse tanto de porco e preguiçoso, é também a vergonha do Brasil na hora de falar. Mas seu Ubaldo escreve direito nossas falas, e faz literatura que não há quem não dê aplauso ou bote defeito, inclusive portugueses de Portugal, e sendo que eles dão lustro na prosápia, dedicando à gente a desgraceira da ignorância. E se vosmecê ouvisse Julinho Calçagatos, principalmente depois de feitas suas devoções de cachaça, então ficava sabendo o que é biblioteca mesmo. É certo que na hora de contar mentira não há quem ganhe ele, o que aumenta até a imensidão de literaturas que ele fala, e que o descarado chegou mesmo a dizer que os americanos já tiveram na Lua. Mas a gente desculpa, e põe as culpas na cachaça de Adínton, que é mais forte que álcool de sarar infectos. Teve uma vez um concurso de mentiras – ideia de Adínton para ganhar dinheiro nas apostas de aguardente – e o danado derrotou todo mundo num instantezinho. Nem deu hipótese. Não vou contar as mentiras da concorrência, uns excessos que ninguém pode imaginar, e eu não quero ser chamado de excessivo. Julinho Calçagatos, que era o último a botar palavra, falou só isto: “Esse pessoal aí estão fora do concurso. Tudo o que eles disse é verdade.”

Por essa razão das ilustres letras de seu Ubaldo me dá até vontade de chorar, eu que nem sou homem de chorar por cacarecos. Bem que minha santa mãe me azucrinava todo dia com a obstinação dos estudos, mas eu só tinha paixão de escola na hora de sair. Se escola fosse só sair dela eu tinha chegado a doutor. Tia Gertrudes era mais compadecida, e por isso era quem mais me aceitava em casa dela deixando meu banco esperar por mim em vão até quase ser hora de murucututu sair caçando. Chegadas as convenientes indagações, ela se justificava dizendo a mamãe que eu tinha ajudado no acarajé, competência de veterano, especialista mesmo, e não deixava aguar, não dava pausa enquanto titia fritava. Então aí mamãe exigia uns bolinhos como prova das alegações, e isso depois que eu levava uma porrada das retorcidas. Assim que a consequência era que só eu comia grosso das mãos dela, enquanto que todo mundo se babava com os bolos de titia, mais ainda porque o feijão dela era o muito melhor daqui.

Papai se abstinha nas justiças, e só deu sentença em meu proveito quando eu fiz queixa, provada e comprovada por tudo quanto era aluno de professor Jacó. Professor Jacó não é de sabedorias seguras, não. Os meninos juraram em minha jura que ele ensinou isso de alfabeto dando um nome à terceira letra, e logo estava chamando ela de outra maneira. Num dia era cê e no outro era quê. “Mudou de opinião, e a gente sabe que professor não pode ter opinião”, falou meu pai. “O povo devia era tirar os filhos da escola, que para aprender errado não é preciso professor com diploma. Errado a gente sabe.” Com tudo isso, não aprendi mais que umas sete ou doze letras, e até essas esqueci para todo sempre, veja a inglória. É isso aí que me dá vontade de chorar, já falei, que eu nem queria ser doutor, só presumia ser capaz de ler a Bíblia e nossas histórias de seu Ubaldo.

Aqui tem pouco pessoal capaz de ler direito, mas a velha Mariana sabe mais que uma universidade tudo junto, mesmo que ela é mais sábia que Julinho. Porém não admira, que foi o Espírito Santo que ensinou, tanto que até pode falar as línguas principais do Mundo, inclusive português, e só por humildade não fala e porque ninguém ia entender. A velha Mariana é daquelas mulheres que a gente pensa que já nasce velha e casa viúva, mas também foi novinha como Ernestina, pode ser mesmo que bonita como ela, que todo mundo quer ver passar quando ela passa e ficar olhando a roda da saia e esperando o vento. Foi ela que escolheu nome para quase o pessoal todo, porque sabe o nome de tudo quanto é santo, e praticou no montão de filhos que teve, que era metade do povo daqui se não tivessem ido para outras partes. Quando olhavam no espelho e viam cara de homem, pensavam que era tempo de abrir o gás, e pronto, abriam mesmo, só parando a mil léguas daqui, no mínimo.

Julinho Calçagatos é caso mais de espantar, mormente que não aprendeu de Deus, foi só ouvindo e falando a vida toda. Se todo mundo tem seu acarajé, o dele foi fazer laço a passarinho, e ali logo se perdeu homem capaz de ganhar Nobel naquilo que fosse preciso, pode crer. Era só dizer “Julinho, vai aí no concurso e vence esses camaradas todos.” Nem que fosse alemão ou americano ele vencia mesmo. Julinho podia até ter estudado para santo, o que parece ideia de jerico mas só antes de ouvir suas razões, mas ele não quis, diz que dá uma trabalheira medonha que mesmo só santo é que pode. Se não fosse, Julinho chegava a santo, com velas, flores e tudo lá no altar, só que ele queria isso era para fazer umas vinganças, não esconde. Rico que fosse na igreja pedir abundância, ele dava só de piolhos e de bexigas, e se não lhe dava uma bicuda na testa era porque santo não mexe, o que é outra amolação que Julinho não aguenta, por isso ser santo é difícil mais que subir pau de sebo. E de carne não havia de consentir na mesa do rico mais que mocotó em dias de festa, Carnaval inclusive, e isso caso o rico não gostasse. Mas menina boa e feia ficava logo ali boa e boa, ora veja, não sei se entendeu.

Uma vez teve aqui dois fulanos para arrolar o povo de testemunhas de Jeová, que é o Nosso Senhor deles, e foi Julinho quem resolveu a questão. Bem que a velha Mariana tentou, mas embatucou, com respeito a essas coisas que eles mostravam na Bíblia, e o povo olhando e ouvindo sem saber que dizer. Os fulanos falavam que o Mundo ia acabar mais dia menos dia, mas davam garantia do Céu, e mais não sei o quê. Se eles acrescentassem setenta virgens, como os outros, a gente até que fazia negócio sem mais considerandos, que a coisa estava ficando meio chata. O pior foi na hora de explicar o que era proibido lá na religião deles. Houve coisas que a gente ia dando acordo – não bater na mulher, tava certo. E a mulher pode bater no homem? – Não pode, tá mais certo ainda, duas vezes certo, com isenção para a mulher de Junípero, todo mundo sabe. Pagar um dinheirão para as gravatas deles e mais os ternos e as pastas e as viagens, que o mundo é grande, maior que o sertão todo e cheio de granfinagem que a gente nem sonha. Eles não falaram isso, mas o pessoal percebeu logo. Pior foi na hora de proibir cachaça. Julinho foi mandando “bota aí outra cachaça, seu Adínton”. Os da pasta deitaram fogo pelos quatro olhos e falaram que ele ia direito para o Inferno. Julinho encheu de ar, tossiu quatro vezes (aquela era especialíssima ocasião, que nas vulgares só tossia três), e emborcou o resto da cachaça. Nem cuspiu, que ele não cospe depois de beber para não botar fora o gosto. Puxou as calças, esfregou com o dedão do pé direito o calcanhar canhoto, e deu sentença. “Vosmecês falam que nessa especialidade de Céu só cabe cento quarenta e quatro mil.” Depois, descendo no respeito, acabou a argumentação. “Vocês o melhor mesmo é não procurar mais fregueses que tire seus lugares." Morreu aí. Tinham entrado rezando e saíram xingando todo mundo. Pelos modos, aqueles fregueses não vão fazer parte dos cento e quarenta e quatro mil. Não merecem. E a culpa é toda de Julinho Calçagatos. Já dizia a mãe dele que ele botava as almas dos outros nos Infernos.

Seu Adínton também não sabe ler, mas tem livros com tudo quanto é fiado. Em vez de nome ele faz um desenho das aparências de cada qual, assim que bigode quer dizer Jorginho Filho, sobrancelha grossa é seu Antenor, e os mais consequentemente. Julinho não precisa desenho, Adínton tem um livro só para ele. Pior é o desenho de Raimundo, a quem a mulher planta na testa até doer a alma só de ouvir suas histórias escondidas, que eu nunca vi nem quero ver para não ter assombrações. E diz quem já viu o desenho dele que Adínton capricha nos pormenores da armação. Raimundo disfarça, mas a gente vê na cara que está sempre virado no cão, chateado mais que lagosta apanhada no jereré, e não é para menos, que ninguém gosta. Dívidas de cachaça são lembradas com um copo cada vez, e quando chega no quinze ele faz uma moringa. Sendo caso que o camarada bebe mais quinze sem pagamento, Adínton não desenha outra moringa, faz um dedo espetado com seu dedo do meio servindo de modelo, veja o desaforo, e não dá nem mais uma pinga ao coitado.

Televisão nunca apareceu aqui para filmar o povo e essas coisas assim, que o único crime mortal que teve aqui foi quando Formosinho degolou Dalberto. Formosinho é um cara sem vergonha, mas houve até quem risse da façanha dele, que isso não é tudo alma lavada. Mas a gente ri sempre quando lhe chama esse nome, que o pobre é tão feio que só explicar mete medo. E até deu risada universal quando ele ficou com os olhos quase saindo pelo carão fora, por causa do aperto que Zé Cão lhe deu no gargalo. Zé Cão é o dono das cabras viúvas do bode defunto, e só não esganou mesmo Formosinho para todo o sempre porque não era dono do bode. Se fosse, esganava, e o crime ficava mais feio ainda. O dono era Formosinho mesmo, mas Zé Cão queria o bode dele para fazer ofício nas cabras, e estava no tempo das núpcias delas. Foi isso que ele não perdoou, porque para achar outro bode capaz de tais proezas, inclusive que Dalberto nem sequer era de preliminares demorados, precisava ir até ao finzinho do Recôndito, e mesmo assim não sei. Mas o verdadeiro dono do bode até que tinha razão, que bode não dá leite e ele já vinha aguentando o bicho vivo há muito tempo só para emprenhar as cabras de Zé Cão, que não pagava dote nem nada. Era só despesa, que bode depois de crescido não rende na engorda, e Dalberto levava seis meses recuperando-se dos obséquios. Aliás o coitado de Formosinho jurou que não tencionava matar, apenas queria cortar um chifre para uns enfeites lá dele, só que o cabrão do bode não deixou ele cortar rente, e então Formosinho teve de cortar na goela, veja a desgraça. Dalberto morreu logo ali, e o desnaturado aproveitou o óbito do chifrudo para fazer jantar de bode assado.


Aqui tem igreja, mas é tão pequenina que Nosso Senhor tem de sair para o povo entrar. E botaram nela um santo que não há quem conheça, nem padre, nem bispo, nem papa mesmo, inclusive a velha Mariana. Imagine só: São Cucufate! Mais esta no desprestígio! Cristão não leva nome assim, mas pode que na língua dele até fosse grande importância. A velha Mariana, que sabe de santos e santas e Nossas Senhoras que nem doutor da Igreja, leva um ano inteirinho de catecismo só treinando os meninos para não rir quando ouvem o nome dele, e não é para menos.

A igreja quem mais usa é a velha Mariana, mais ainda nos dias que Brasil joga copa. A gente põe ela rezando lá para Deus Nosso Senhor ajudar o escrete, ou para desajudar os outros, o que faz os mesmos devidos efeitos. Quando o jogo é com os pançudos da Argentina ou com os delicadinhos ingleses, ela vai de véspera. Nesses dias o boteco fica tão empesteado que não cabe nem mosca, mas está tudo de acordo. O pior é no resto do ano, que isto aqui o futebol é muito dividido. Metade do pessoal é Bahia, outra metade é Vitória, e a terceira metade é uns sem-vergonha de clubes que eu nem sei o nome direito. O mais peguento é Chico Come-Água, que é Fluminense, acha que pode? Mas não é Fluminense de Feira Futebol Clube, se fosse, pelo menos era time baiano, ele é Fluminense carioca, por raiva que tem do outro, porque queria ser goleiro lá deles, e o míster disse a ele que não servia nem para gandula pois não agarrava nem bola parada. E quem viu ele pensar que estava jogando confirma.

Aqui é tudo doutor de bola, se duvida pergunte, e se quer provas aqui tem a alinhação do time que deu despacho de 5-2 na Suécia: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Nilton Santos, Zito, Didi, Garrincha, Vavá, Pelé e Zagallo. Este pessoal só não ganhou três copas seguidas porque perdeu em Inglaterra com os moçambicanos, que os portugueses só sabiam jogar futebol quando eram moçambicanos, e mais porque contra eles só alinhou metade do escrete, que o beque direito deles completou nas pernas do Rei a ousadia que um comunista tinha começado. Mas o futebol de hoje é outro sentimento que dá vontade de chorar. Antigamente tinha pontas que driblavam tudo quanto era zaga, e ficavam esperando os meias para driblar antes de fazer gol. E tinha chute que era mais que tiro de canhão e até assustava os anjos. Nos treinamentos de Jairzinho não botavam véu de noiva na baliza que ele chutava, para não rasgar. Mas desde que apareceu a televisão dando importância neles, jogador de futebol mais parece estar fazendo concurso de misse, um desconsolo. E mais ainda que agora todo mundo se divide na opinião, que cada um vê penálti e ofissaide quando quer que seja penálti e offisaide, e quando não quer não vê. Antigamente o pessoal acreditava no espíquer sem mais quê nem pra quê, não dava encrenca, ele falava tava falado, quem era a gente para negar?

Que me desculpe seu Ubaldo, mas isso de saber ler eu acho que não ia dar, não. Eu gostei de ser menino, mesmo daquele modo sem jeito que já contei. Quando fiz doze anos só passava de metro e meio porque tinha calos nos pés como jegue sem ferraduras. E agora veja se tem jeito eu usar sapato fino. Futebol tinha cheiro de suor dos pontas que passavam correndo na linha e perfume de couro da bola. O povo comia pó e aguentava firme na chuva, no sol e no vento. O povo fazia parte do jogo. A televisão meteu o jogo em nossa casa, mostra tudo direito, a verdade que não tinha antigamente e por isso é que era tudo tão lindo. E dá repetição até. Mas vida não tem repetição, não. Não dá para ver como foi para aprender como devia ter sido. Se eu fosse capaz de ler os livros de seu Ubaldo, ia poder ficar lendo tudo quanto é livro. E pode que aí fosse como isso de televisão. Acabava o encantamento e a inocência.

Daniel de Sá
(Homenagem a João Ubaldo Ribeiro e Marcolino Candeias)

30
Dez07

O China já está com o Pidá, mas foi só por acaso.

Rui Vasco Neto
29
Dez07

vinte e três e cinquenta e nove

Rui Vasco Neto
Hoje é sábado, vinte e nove. Dezembro, trinta e um dias. Com o de hoje são trezentos e sessenta e três, se não estou em erro. Mais um minuto e começa o dia três seis quatro, o penúltimo desta série de trezentos que acaba em sessenta e cinco. Ponho o pensamento em dois mil e oito, só para ver como é para contar como foi. Ora vamos, bora lá espreitar, adivinhar, conjecturar, palpitar. Diferenças grandes, quais, assim de vulto, coisas de monta? Cá em casa, aí em casa, no Benfica, no Sudão, na Bósnia, no processo Casa Pia, no mundo em geral, seja onde for? Nada? Pffff. Cansa-me depressa o exercício. Pouco vejo, devo confessar. Miopia, certamente, que a gente não pensa assim.

A gente vê coisas largas nos horizontes mais estreitos. Visões de oiro e de glória nos dias mais impensáveis e espectros de enganos passados mas nunca ultrapassados na cadência do viver. No fundo marcamos passo, numa comum formatura de uma recruta adiada. Não chegamos a sargento, nem mesmo que sopre o vento que faz voar calendários, com as folhas desses dias marcados com a cruz de Cristo. Se aqui marco, logo existo. Tem quantos, dois mil e sete? Os mesmos dos outros anos? Pois pronto. Este hoje com mais um minuto já deixa de ser vinte e nove. È trinta, é já amanhã, é a Vida que se move. Falta apenas um minuto. Por enquanto ainda é sábado, Dezembro e vinte e nove. É cedo, ainda, no fundo. São vinte e três e cinquenta e nove.
29
Dez07

Zero Zero Nunes

Rui Vasco Neto
O nome é Nunes. António Nunes. É um homem com uma missão. É o responsável máximo da ASAE e afirma hoje ao Sol que metade dos restaurantes e cafés portugueses «estão condenados a fechar» devido ao incumprimento de regulamentos comunitários. Diz o senhor Nunes da ASAE que metade dos restaurantes e cafés portugueses «não estão aptos a cumprir os regulamentos da legislação comunitária e não têm viabilidade económica». Nem mais. Se percebi bem, o problema está nas médias. «Ainda estamos longe das médias europeias. Para se cumprirem hoje os regulamentos comunitários como estão na lei, 50 por cento dos restaurantes e cafés não estão aptos», esclareceu.

O nome é Nunes. António Nunes. É um homem com uma missão. «O drama social é da responsabilidade do Governo, não da ASAE», avisa, frio, duro. E vai mais longe, diz que Portugal tem «três vezes mais restaurantes por habitante do que a média europeia». Os senhores sabiam? Eu não. «A UE tem uma média de 374 habitantes por restaurante. Em Portugal são 131. Isto não tem viabilidade económica», decidiu.

O nome é Nunes. António Nunes. Por trás daquela pose bófia de Inspector Martelada que mostra na fotografia, estou certo que se esconde um ser com um futuro brilhante, não duvido. Afinal, Portugal tem uma longa tradição de antónios e quando aparece um antónio desta envergadura o povo já sabe que lá vem serviço. E também para quê tanto café e restaurante, tanta escolha para quê, não me dizem? Pois metade vai para o galheiro e máinada, acabou-se. Está decidido.

O nome é Nunes, António Nunes. Zero zero Nunes, ordem para fechar.

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