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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

30
Jun08

Cavalhadas de S.Pedro

Rui Vasco Neto
Depois de nos oferecer uma viagem inesquecível por terras da Maia, costa norte da minha ilha, Daniel de Sá traz-nos hoje a evocação de "uma das tradições mais notáveis e famosas dos Açores", como nos diz no texto. As Cavalhadas de São Pedro são (mais) um espectáculo de autenticidade da parte de um povo que vive de facto as suas tradições, não as tem guardadas em armazém com intuito de produzir recriações pontuais para inglês ver e achar very nice, muita banita. Nada disso. Nos Açores é diferente a vida, nesse particular, entre muitos, muitos outros. Nas nove ilhas, o povo vive os seus costumes, hoje como ontem, da forma genuína e com a mesma entrega e devoção que os fez tradicionais por força do passar dos anos e das gerações. Não por despacho de gabinete. Por isso serão tão fiéis e autênticas as tradições açorianas, não cheiram a mofo, apesar da humidade. Porque a tradição na minha terra constrói-se na exacta medida do tempo em que é vivida, hora por hora, dia após dia. Todos os dias.
 
Em baixo: "Cavalhadas de São Pedro"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá

 

As Cavalhadas da Ribeira Seca da Ribeira Grande são uma das tradições mais notáveis e famosas dos Açores. O nome deriva do Castelhano caballadas (de caballo), que se refere a vários tipos de provas de destreza equestre. Câmara Cascudo, no Dicionário de Folclore Brasileiro, define cavalhada como desfile a cavalo, corrida de cavaleiros, jogos de canas, jogo de argolinhas. As cavalhadas subsistem em muitas partes do Brasil, e as de Pirenópolis, no Estado de Goiás, ligadas às festas do Espírito Santo, seguem a tradição europeia da dramatização da luta de Rolando contra os Mouros, em Roncesvales, a célebre gesta dos Doze Pares de França. As primeiras cavalhadas de Pirenópolis aconteceram em 1826, sendo a maior parte dos seus habitantes oriunda do Norte de Portugal. Em Vildemoinhos, perto de Viseu, mantêm-se como desfile de cavaleiros vestidos de fato escuro e montando cavalos ajaezados. Resultam, segundo a tradição, de uma promessa feita a São João Baptista pelos moleiros, no caso de conseguirem sentença favorável de água para os seus moinhos, havendo quem pense que têm influência das Cavalhadas da Ribeira Seca. A primeira destas romagens à capela do santo, com os cavaleiros vestindo de negro, como os nobres, e com os cavalos ajaezados, terá sido em 1652. No entanto, no século XX passaram a incluir carros alegóricos, bandas de música, ranchos folclóricos e muitos outros elementos que não faziam parte da tradição.
 
Há a opinião generalizada de que as Cavalhadas da Ribeira Seca terão sido inspiradas nos jogos de canas. No entanto, essa influência, se realmente existiu, talvez não tenha ido além do facto de se tratar de um desfile de cavaleiros, vestidos com trajes coloridos e montando cavalos ajaezados.
 
Os jogos de canas consistiam numa simulação de luta entre dois grupos de cavaleiros, e eram assim chamados por ser uma cana que servia de lança de arremesso ou dardo. Para se defenderem, os cavaleiros usavam um escudo pequeno e redondo de coiro, a adarga. Há notícia de alguns destes combates realizados em São Miguel, sendo aquele de que se conhecem mais pormenores o que organizou o quinto Capitão da ilha, Rui Gonçalves da Câmara, o segundo que houve com este nome. Foi num dia de Páscoa, pouco tempo depois da subversão de Vila Franca do Campo em 1522. A folgança destinou-se a divertir a população de São Miguel, ainda muito abalada pelos trágicos acontecimentos daquela noite de 22 de Outubro. Os contendores de Ponta Delgada e da Lagoa lutaram contra cavaleiros da Ribeira Grande – a que se juntou alguma gente de Rabo de Peixe –, de Água de Pau e de Vila Franca. Vestiam trajes coloridos de seda, veludo e outros tecidos nobres. Os de Vila Franca, em sinal de luto, usaram apenas o preto e o roxo. Os cavalos, e mesmo uma besta que transportou as canas, estavam também ricamente adornados. O combate decorreu num terreno ao longo do mar, na Lagoa, onde o Capitão residiu algum tempo depois da tragédia. Veio muito povo, de toda a ilha, que assistiu num lugar mais alto, de modo a estarem todos protegidos de eventuais pisadelas dos cavalos ou de alguma cana que falhasse o alvo.
 
Muitos eram os cavaleiros que usavam mais do que um cavalo, porque a luta lhes exigia um grande esforço. Havia arranques e paragens constantes e corridas com mudança de direcção em ângulos apertados, numa espécie de bailado para fugir ao ataque dos adversários ou para tentar apanhá-los desprotegidos. Nesse jogo de canas houve um episódio que serve para perceber como, por vezes, essa simples diversão poderia tornar-se numa luta perigosa. Esteve ali presente o Abade de Moreira, que viveu alguns anos na Ribeira Grande, exímio na arte de cavalgar e de jogar as canas. Lutador incansável, levou consigo dois cavalos. Um dos adversários com quem lutou foi D. Manuel da Câmara, filho do Capitão, a quem atirou uma cana certeira que o moço defendeu com a adarga. A mãe, D. Filipa Coutinha, exaltou-se muito, considerando que o filho tinha direito a tratamento semelhante ao de El-Rei, a quem as canas não deviam visar o vulto mas ser lançadas por cima da cabeça. E, no seu destempero, gritou que matassem o abade. Este, homem forte e truculento, pegou num dardo e respondeu que viessem matá-lo, mas que antes deixaria ali cinco ou seis caídos para sempre. Mais sensato, Rui Gonçalves da Câmara entendeu que o filho não tinha direito a isenções, e mandou ao abade que lhe atirasse outra cana.
 
A origem das Cavalhadas – e neste ponto é indispensável evocar o Dr. Armando Cortes Rodrigues – é tida como resultante de uma promessa do próprio Capitão, que era então D. Manuel da Câmara e que já voltara a residir em Vila Franca. A lava da erupção de 1563 destruiu a maior parte da Ribeira Seca da Ribeira Grande, deixando porém intacta a igreja paroquial, dedicada a São Pedro. Apesar da devastação provocada, não houve nenhum morto na ilha por sua causa. D. Manuel da Câmara teria prometido ir cantar em verso a vida do apóstolo à porta da sua igreja, caso a família não sofresse consequências graves. E tê-lo-á feito indo de Vila Franca à Ribeira Seca a cavalo e acompanhado de homens que o serviam e dos mordomos do Espírito Santo.
 

Ora, mesmo que se tenha por certa esta versão, não se percebe onde estará a dita derivação das Cavalhadas a partir dos jogos de canas. Talvez não mais do que nos trajes usados pelos cavaleiros, em que dominam o branco e o vermelho (as cores do Espírito Santo), pois que D. Manuel da Câmara e o seu séquito terão ido decerto com os ornamentos pessoais e dos cavalos que ostentariam em momentos de gala. E os jogos de canas eram um desses momentos especiais, tanto mais que costumavam ocorrer em dias de grande festa. A comitiva do Capitão terá dado sete voltas à igreja de S. Pedro, talvez evocando os dons do Espírito Santo, dirigindo-se depois à sua igreja da Misericórdia, para concluir o ritual com uma visita à ermida de Santo André, irmão de S. Pedro. Sem grandes alterações no essencial é este o percurso actual do cortejo, normalmente com mais de uma centena de participantes. São comandados pelo 'Rei', seguido de perto por três corneteiros que vão anunciando a aproximação e passagem dos cavaleiros. Tornou-se habitual que todo o grupo, que parte do Solar da Mafoma, na Ribeira Seca, visite também a Câmara Municipal, entoando loas à edilidade como reconhecimento pelo apoio que dela recebem.

 

30
Jun08

Bom dia. Hoje eu acho o mesmo, tadinho dele. E de nós...

Rui Vasco Neto
29
Jun08

Bom dia. Hoje eu acho que ele estava cada vez mais português...

Rui Vasco Neto
28
Jun08

Irratêpê!!!

Rui Vasco Neto

Numa jogada de finíssimo recorte estratégico, o Canal Um da RTP transmitiu esta noite o espectáculo comemorativo do 90º aniversário de Nelson Mandela, em Hyde Park, Londres. 46664 pessoas, diz a organização, em absoluto delírio com o desfile non-stop de grandes vedetas, inspiradas, que foram prestar homenagem a um dos grandes nomes da História mundial deste século misto, vinte/vinte e um. Uma noite de luxo, para qualquer programador.

 

São neste momento duas e pouco da manhã e 'Amy Winehouse vem fazer o grand finale', avisa o comentador de serviço, apesar da cantora ter acabado de sair de cena neste preciso instante e de estar anunciado ainda Bono Vox, entre muitos outros. Há um momento de expectativa e eis que entra em palco um nêgão enorme, de bigode. Não é Amy, aparentemente. Eu juro que já não acho estranho. É que tenho estado a ver a transmissão do espectáculo, quase desde o princípio. E, lamentavelmente, a ouvir uma das maiores colecções de disparates que o mundo alguma vez já ouviu na história das transmissões em directo, seja daquilo que for, futebol incluído (o que torna a coisa mesmo grave). A tradução simultânea do discurso de Mandela, por exemplo, (que o próprio não reconheceria se assistisse à RTP), ficará seguramente para a posteridade como um dos momentos altos do anedotário da radiotelevisão portuguesa, que esta noite bateu todos os recordes da asneira numa só transmissão televisiva.

 

Só para dar uma pequena ideia a quem não viu, a actuação de Amy Winehouse, que foi repetidamente anunciada como o grande momento da noite, foi preenchida na sua quase totalidade pela RTP com um lindíssimo intervalo publicitário (igual a uma série interminável de intervalos comerciais metidos 'a martelo' neste directo, no maior desrespeito pelo espectáculo em si, com promoções ao 'Dança Comigo' e ao 'Terminator', domingo à tarde...) que começou logo a seguir a 'Rehab' e só terminou quando Amy, ela própria, estava também a terminar a sua actuação. Fomos todos, no entanto, ainda a tempo de assistir à sua saída de palco, logo contrariada pelo tal aviso da sua eminente reentrada, adivinhada pelo comentador RTP. «E aí vem então Amy Winehouse para o grand finale desta noite» Foi quando chegou o tal nêgão de bigode, e depois dele o resto da transmissão, que ainda dura. Abençoada RTP. Que seria de Portugal, de todos nós, sem ela? Um enorme, imenso bocejo, por certo.

 

28
Jun08

Porrapá!!! Olha se eu tivesse ficado parado...

Rui Vasco Neto
28
Jun08

«No mundo em mudança, o maior crime é ficar parado» (J. S.)

Rui Vasco Neto
28
Jun08

Bom dia. Hoje isto começa bem, tudo aos tiros. Uma animação.

Rui Vasco Neto
27
Jun08

Maia (III)

Rui Vasco Neto

A aventura continua. Estamos na Maia, costa norte da ilha de S.Miguel, um lugar mágico, acreditem se quiserem, pagam o mesmo. Mas eu, que vos digo, sei do que falo. E melhor, muito melhor, sabe-o Daniel de Sá, que hoje se perde na história da Gorreana e do seu chá para encontrar a fugura incontornável e polémica de Jaime Hintze. «Além do que digo dele, Jaime Hintze foi governador do Distrito, comendador, de bom trato com os trabalhadores, embora tivesse algum orgulho na sua pessoa. Também fez experiências disparatadas, como tentar fazer "bacon" de porcos vivos. Tirava-lhes um bocado do dito, cosia outra vez a pele, e os desgraçados morriam invariavelmente de septicemia.», conta-me o autor em recado privado, tão privado que não o incluiu no texto, que é público. Eu não resisto a torná-lo público, tão público que o incluí no texto, que não é privado. Assim, todo esse parágrafo está lá por minha inteira responsabilidade e sem consultar o autor. Com sorte ele não se zanga, haverá de confiar no meu juízo, escasso numas coisas mas sábio no que à minha arte diz respeito. É que para nós, que já lemos pouco, pouca coisa boa e genuína será algum dia a mais.

 

Em baixo: "Maia  (III)"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá

 

A Gorreana e o seu chá

 

 

Ranchos de raparigas, quase sempre vestidas como se estivessem a aliviar luto, subiam da Maia à Gorreana para a apanha do chá. Era uma revoada de vozes e do matraquear dos tamancos de madeira – as galochas – , à mistura com muitas passadas silenciosas, porque algumas nem sequer tinham com que pagar ao galocheiro. Havia famílias que só ultrapassavam o limiar da miséria com o ganho dessa meia dúzia de meses, pelo que é difícil imaginar como seria viver na Maia, até bem passado o segundo quartel do século XX, sem a fábrica da Gorreana e a do tabaco.

 

O lugar tomou este estranho e belo nome da ribeira que o atravessa, a qual recebeu o seu por ter morado perto dela, numa das primeiras décadas do povoamento da Maia, um homem chamado Manuel Gorreana.

 

Mas foi no século XIX que a Gorreana ganhou importância como um dos pontos mais notáveis da produção agrícola e industrial da Maia. O engenheiro Simplício Gago da Câmara, que pertencia à Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, iniciou ali a industrialização do chá em 1889. Por ser solteiro, foi sua irmã Angelina (nascida na Matriz de Vila Franca em 1881) que herdou a propriedade agrícola e a incipiente fábrica. Em 1901, Angelina Gago da Câmara casou-se com Jaime Hintze, homem muito culto e de um notável dinamismo, que viria a modernizar todo o sistema de produção e fazer da Fábrica de Chá Gorreana a mais importante e famosa de S. Miguel, a única que até aos nossos dias nunca interrompeu a laboração.

 

Jaime Hintze que, entre outros cargos e distinções, foi Governador do Distrito de Ponta Delgada, tinha um espírito aventureiro e gostava de correr riscos, pelo que nem todas as suas experiências agrícolas e pecuárias terão sido totalmente bem sucedidas. Para além do desenvolvimento dado à cultura do chá, merece no entanto destaque a do bicho-da-seda, tendo chegado a produzir tecidos de óptima qualidade, conservando-se ainda na família uma peça com cerca de quarenta metros.

 

Além do que digo dele, Jaime Hintze foi governador do Distrito, comendador, de bom trato com os trabalhadores, embora tivesse algum orgulho na sua pessoa. Também fez experiências disparatadas, como tentar fazer "bacon" de porcos vivos. Tirava-lhes um bocado do dito, cosia outra vez a pele, e os desgraçados morriam invariavelmente de septicemia. Contaram-me dele uma história que a família não conhecia. Ele, de origem teutónica, passava creio que dois meses de férias todos os anos na Alemanha. Numa dessas suas ausências, o caseiro obrigou um pobre agricultor seu rendeiro a pagar as rendas atrasadas com o milho que cultivara. Levou-o para o "barraco" e pendurou-o. Quando o patrão chegou, contou-lhe a façanha, cheio de vaidade. Jaime Hintze então disse-lhe que se o homem não pagara era porque não podia. E obrigou-o a pegar no milho todo e ir pô-lo à porta do pobre agricultor.

 

Continuou a sua acção o filho, Fernando Hintze, que foi casado com a actual proprietária, Berta Hintze, que tem como colaboradores na gestão da fábrica a sua filha, Margarida, e o genro, Engenheiro Hermano Mota. Depois de ter atravessado tempos difíceis, que levaram ao encerramento de todas as outras unidades fabris do género em S. Miguel (o único lugar da Europa onde se produz chá, que é de excelente qualidade por não existir na ilha qualquer tipo de praga que requeira o recurso a insecticidas), a Fábrica de Chá Gorreana recuperou a sua vitalidade, graças à persistência e capacidade dos actuais gestores, ultrapassando actualmente as trinta toneladas de produção.

 

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