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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

More than meets the eye

Sete Vidas Como os gatos

12
Jun13

Piu

Rui Vasco Neto
 

Quanto mais leio as notícias menos me apetece escrever sobre elas. Tenho dito. E não fora este desabafo sair-me tão natural que decerto os meus dedos se recusavam a bater teclas a esta hora só para vos dar o recado, por mais prazer que a coisa dê depois de feita, quase como o sexo, que dizem chegar a um ponto da existência em que o prazer que dá não justifica o esforço dispendido para lá chegar, para não falar na posição, que pode ser bastante incómoda se nos concentrarmos na própria e não no propósito da coisa em si... enfim, tudo isto dizem, claro, e seja como fôr o sexo continua imbatível como actividade lúdica e inigualável na relação preço/qualidade, digo eu. Não, não é que saia barato, longe disso, a vida é que está muito cara, queria eu dizer. Mas adiante, afinal tudo o que eu tinha para dizer era mesmo apenas o que já disse, ou seja: que nada tenho a dizer. Por isso pronto, está dito e redito.

 

Escusam assim de me vir falar da nova maldade do Gaspar, dos últimos passos do Coelho, da próxima manifestação de indignados, do novo total de desempregados, da última fraude nas farmácias ou do próximo aumento de impostos que tudo isso é nada mais que Portugal no dia-a-dia, meros detalhes de uma normalidade já comentada por baixo e por cima e pela direita e pela esquerda e por todos os lados  -  o da asneira não só incluído como imbuído de natural e previsível destaque. Perante isto que posso eu dizer, o que esperam que vos diga quando a natureza humana pouco muda a marca que deixa em cada acontecimento a que se dedica? Comentar os pormenores, repetindo o óbvio? Papaguear definições, trinar enciclopédias? Pfff, não, obrigado. Ando de birra com o disparate dos outros, explica em demasia o meu próprio, mesmo ajustado à escala. Não, não tenho nada a dizer e acabou-se. Ou me provam que Cavaco Silva foi apanhado em flagrante tráfico de bolos secos e alcagoitas para o Afeganistão ou então não há conversa para ninguém, nem mais um pio, sequer, sobre esta triste actualidade que é a nossa. A verdade é que não sei que diga por isso não digo, nada, zero, zip, nestum. É esta a situação, lamento informar. E tem mais, mesmo que o Presidente seja apanhado com a mão na alcagoita, por assim dizer, eu cá quero primeiro saber quem foi o agente infiltrado que o denunciou à Justiça. E só, mas só mesmo depois de ficar provado e bem provado que foi D.Maria, imaginem, quem diria, D.Maria a operacional infiltrada envolvida na detenção... só mesmo nessa circunstância me arrancarão uma opiniãozita, talvez mesmo uma opiniãozorra nesse e só nesse caso em particular. Porque por menos do que isso já disse, leiam lá atrás que ficou escrito, não vou dizer outra vez.

 

Não me arrancam um pio.

 

13
Jan13

Crónica do Brufen

Rui Vasco Neto

Um espírito sofrido é como um corpo doente, atacado de forte e incapacitante virose (como esta que por aí anda este inverno, por exemplo). Para um e outro, na circunstância, a maior e mais decisiva força curativa estará no passar dos dias, na famosa pomada do tempo que tudo cura, há tempos sem fim. Assim sendo há que confiar nesse trunfo maior: o poder regenerador dos dias que passam, cada um deles mais um passo seguro dado na direcção certa, a caminho da cura que é sabido morar no final de muitos e longos dias de sofrimento, cada instante uma batalha, uma busca contínua por todo e qualquer resquício de força que possa ser puxado e repuxado (Deus, como é poderoso o desespero dos aflitos) até ficar chão, firme e pronto para o instante seguinte e assim sucessivamente, qual maratona de caracol.

 

Tem uma questão, no entanto. É que não obstante ser real a possibilidade de um sucesso culminar todo este esforço de regeneração, a verdade é que a cura não vai aguardar indefinidamente pela reacção das nossas defesas, antes se trata de uma eventualidade com limite no prazo de espera, a partir do qual tudo se fica pela perspectiva, nunca além. É mais uma das muitas ironias do Divino, sempre pródigo em surpresas do género. Com a hora passada ou simplesmente não alcançada, a oportunidade morre na praia e na prática, com todo o capital de esforço e dedicação a esvair-se em cada uma das incontáveis fórmulas do ‘podia ter sido’, nas infinitas variações desse mágico ‘se’ que tudo pode, tudo serve e tudo permite, desde que no cercado da imaginação e não cá fora, no piso duro e áspero da realidade. E assim se escoam os dias, daí para a frente e para lado algum, deambulando sem direcção e sem sentido, numa ida sem volta e sem futuro. E sem cura possível, já, definitivamente.

 

Quando e se chegado a esse ponto o tempo é de rendição, sabemos todos, mais ou menos no fundo de cada um. Assim descobrimos o limite de todos os limites e, na passada, assim somos descobertos pela nossa maior limitação enquanto seres humanos. Depois é uma questão de tempo e de feitio, varia muito de pessoa para pessoa. Por mim entendo que será hora de preparar um adeus de jeito e encomendar uma despedida decente, mais à medida do que gostaríamos de ter sido do que propriamente fazendo jus ao que fomos de facto, o derradeiro luxo de qualquer miserável que se preze. E logo deitar pés ao caminho sem o carrego inútil de culpas, arrependimentos tardios ou ervinhas milagrosas que já nada podem fazer... pois que mesmo sendo certo que um espírito sofrido é como um corpo doente, atacado de forte e incapacitante virose, a verdade é que pouca ou nenhuma utilidade prevejo numa mesma terapêutica anti-inflamatória aplicada ao tratamento de tosse e dor-de-corno, em simultâneo.

 

Sugestões, alguém?

04
Jan13

Eu, pombinha.

Rui Vasco Neto

Face à real probabilidade de chumbo do Orçamento de Estado, Portugal entra em 2013 com o Governo nas mãos do Tribunal Constitucional, com os portugueses nas mãos do Governo e com todos nós, governados e governantes, crentes e ateus, honestos e políticos, todos juntos nas mãos de Deus, de quem se espera (por manifesta ausência de eficácia alternativa) o milagre do conserto das finanças públicas.

 

Ora eu, confesso, estou já farto e cansado desta sina de pombinha da catrina a que fui aparentemente condenado por esta matula de habilidosos em cujas mãos jaz a esperança de um país inteiro (enfim, talvez só numa delas, já que a outra passa a vida nos meus bolsos). E agora, dizem, está tudo nas mãos do Tribunal Constitucional, assim o possível próximo culpado de serviço ao balcão da desgraça nacional. Dizem os jornais que PSD e CDS temem a ingovernabilidade, caso o Tribunal Constitucional chumbe o essencial deste Orçamento de Estado 2013. Dizem as televisões que vêem o risco subir com a assinatura do Presidente da República num pedido de fiscalização. E dizem e sabem todos que são 4 mil milhões de euros que estão em causa, embora Passos Coelho tenha pedido silêncio, dizem que para evitar conflito institucional. Afinal há quem fale de um cenário «apocalíptico» em cima desse corte previsto de quatro mil milhões na despesa. Enfim, aos meus ouvidos o que soa é já o refrão do meu destino, por este andar infalível: "Sem ter beira nem patrão, o voar é nossa sina, vão andar de mão em mão, as pombinhas da Catrina".

 

A questão é só uma, bem vistas as coisas: será que ninguém tem mão nisto?

09
Dez12

Falando com o meu cão

Rui Vasco Neto

Esta tarde passeei (eu & Gastão, claro, juntos como sempre). Foram horas e horas a fio, passo por passo repassando um dos mais bonitos percursos da minha vida, um sítio alto e arejado de onde se avistam, lá muito ao longe, largos e importantes pedaços de caminhos que já percorri (anos-luz lá atrás, é certo, mas com que estranha nitidez se enxergam daqui), como se no ar de repente fluísse uma qualquer dimensão intemporal onde por obra e graça da memória, apenas, tivéssemos a capacidade de visitar cada pegada deixada no chão há muito pisado, estradas antigas e não mais, nunca mais calcorreadas com a mesma intensidade de outrora… um verdadeiro milagre, digo-vos, até para um descrente empedernido como eu. Só que hoje a evidência calou-me a descrença com aquela força do que não tem discussão porque é e porque está, ali mesmo, entrando não apenas pelos olhos mas por todos e cada um dos cinco sentidos (dos seis, que digo eu?!) para fazer prova de vida a cada instante, a cada passo em frente, sempre em frente como manda a lei do existir neste mundo de Deus ou do diabo... Gastão adorou, em suma, e eu então nem vos falo: que bem me fez passar por ali!

Só para que me entendam melhor: imaginem uma estradinha sinuosa, linda na sua simplicidade, montanha acima, arvoredo a convidar à descoberta de um lado e falésia escarpada do outro, a pique cortando os ésses da subida e sugando do peito todo o oxigénio que cabe em cada respirar só de ver, só de olhar, só de mirar, mesmo de longe... Assim é este troço por onde passeei esta tarde e que faz como que um miradouro do lado da escarpa, como que um balcão com vista para o passado, o meu passado, o melhor da minha vida ali a uma distância segura, sem perigo de velhos e repetidos enganos… e lá muito em baixo, lá bem no fundo, lá muito ao longe, longe, longe, eis que se vê bem (pese a distância de meia vida), eis que sem engano se distingue cada milímetro dos incontáveis quilómetros percorridos em tempos que já lá vão (e eu com eles, credo, e eu com eles!), toda a beleza irrepetível do branco por sujar, da alma virgem, toda a vida sem pecado ali ao alcance de um gesto, de um desejo, de uma recordação…

Assim foi a minha tarde, flutuando feliz no mesmo mar de memórias onde há muito me afundei, puxado para um fundo de culpas pelo peso daquelas que nunca consegui largar mas que hoje, por uma tarde apenas, consegui enganar, esquecendo. E foi assim que de regresso a casa, de volta à cave escura onde todos os dias me sonho varanda, soberba sobre o oceano, chamei o Gastão à parte e ofereci-lhe o desabafo sentido da minha inconfessável verdade como só um grande amigo se entrega a outro grande amigo, nessa união sagrada de almas gémeas que por mais que se entendam nunca se comunicarão no mesmo linguajar, por falha divina na organização das coisas. Foi assim que lhe disse, tonto de felicidade, alma estafada, pingando remorso mas verdadeiramente eufórico por esta nova descoberta de um velho e esquecido sentir: «Cão: temos decididamente que fazer isto mais vezes!» .

28
Set12

Portugal sem acordo

Rui Vasco Neto

Legisladores Impares

 

Pittaco em Mytilene, com cordura

livrou da tyrannia a lesbia gente,

foi Solon en Athenas egualmente

legislador de mão firme e segura.

 

Aqui na terra lusa tal figura

fazem agora sordida, indecente,

do povo os deputados, que somente

p’ra espedaçar carteiras teem bravura.

 

Em palanfrorio inutil gastam mezes,

consumindo ao paíz bom dinheirinho,

e em vez de leis dão piños entremezes.

 

Um qualquer rachador de sobro ou pinho

usa servir melhor os seus freguezes

sem lhes dar grande rombo no bolsinho.

 

 

(in ‘Outomnaes’ de João Patrocínio da Costa,  edição de 1892,

 Typographia Eduardo Roza, Sucessores)

 

 

 

...

 

 

Sim, concedo, confirmo que concordo: salva-nos o Acordo Ortográfico, nunca pensei dizê-lo mas na circunstância é o que é, encontrei-lhe finalmente utilidade. Este paiz, a terra lusa destes versos tem 120 anos, é Portugal d’outros tempos, eram outros deputados, outro espedaçar, outros bolsinhos, outros rombos… e nada de Acordo Ortográfico, vê-se logo, é o que remove a dúvida por inteiro pois que no resto é Portugal da troika por uma pena, digo eu. Tal&qual, não?

 

RVN

 

04
Set12

Não fui eu que escrevi mas queria, podia, devia ter sido.

Rui Vasco Neto

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