22
Nov07
Todo nú e de toalha à cintura.
Rui Vasco Neto
Ouço na rádio o novo spot promocional da revista 'Visão', anunciando a nova entrevista do PGR Pinto Monteiro, e juro que tremo na expectativa. Os senhores lembram-se do Zé Maria do Big Brother? Eu lembro-me. Era um calceteiro de Barrancos, uma alma simples que fazia poemas à sua amada cegonha empoleirado nos montes raianos d'atrás do sol posto. Tinha a humildade característica de quem discute a vida com as galinhas, mesmo sabendo a conversa à mercê do olho guloso de um país voyeur. O Zé ganhou o BB, o Zé vestiu Armani para as galas, o Zé deu entrevistas, o Zé foi olhado, mirado, bicado, comido, chupado e cuspido pelo Portugal côr de rosa, que exige gladiadores sempre novos no circo do seu imenso tédio de viver. Depois o Zé caiu em desgraça. O Zé quis atirar-se da ponte sobre o Tejo e enloucou de vez um dia, pelas ruas de Lisboa, nú e de toalha à cintura, a gritar que não lhe tocassem.
Nos finais do passado mês de Outubro, o Procurador Geral da República deu uma entrevista a um semanário em que, entre outros assuntos, comentava as escutas feitas em Portugal à revelia do poder judicial e, a bem dizer, à revelia de toda a gente. Foi em entrevista à revista Tabu do semanário Sol, de 18 de Outubro, que Pinto Monteiro disse a dado passo: «Vou dizer uma coisa com toda a clareza, que talvez não devesse dizer: acho que as escutas em Portugal são feitas exageradamente. Eu próprio tenho muitas dúvidas que não tenha telefones sob escuta». Daí para a frente, de referência em referência, de citação em citação, o nome de Pinto Monteiro foi saltando de nenúfar em nenúfar no lago da atenção nacional.
Cedo vieram as entrevistas à rádio e televisão, para que se pudesse pôr som e imagem em tão polémicas palavras. E Portugal aprendeu então o rosto da Procuradoria, o som das suas inflexões de voz e a medida do seu carácter, na aferição possível de quem vê a realidade do país na televisão do café, às oito da noite. Nicho de mercado para toda a conversão anti-governo, o país real bebeu o PGR em golos pequeninos e saboreados, ao princípio. Mas a sede de justiça era tanta neste deserto português que o mito depressa ultrapassou o homem e se perdeu de vista nos desejos de cada um. O spot promocional da edição de hoje da 'Visão' é o retrato acabado dessa bebedeira do desejo geral. «Não perca as opiniões de um homem que não tem medo de afrontar o poder político. Pinto Monteiro arrasa a lei que reduz os magistrados a funcionários públicos, fala sobre o caso Maddie, Operação Furacão e Casa Pia. Visão: tenha uma.»
O Zé Maria está bem, agora, e eu fico feliz por isso. Recompôs a sua vida e eu bato palmas de longe, depois de o ver cair de perto. Raras vezes vi um massacre tão intenso em alguém tão cordeiro, raras mortes foram tão anunciadas como a sua, às mãos gulosas dos senhores da vaidade nacional, sempre prontos a esquecer os ossos da carne que comem. Mas suspeito que um novo ciclo digestivo está a começar. Acontece-me essa suspeita sempre que começo a ver e ouvir muito mastigar na mesma carne. É claro e por demais evidente que Pinto Monteiro não é um zé maria qualquer, mas também o que está em jogo na Procuradoria Geral da República deixa os cenários e os milhares de toda a produção Big Brother no tostão do mealheiro dos desvalidos. Na batalha do carisma, a concorrência do PGR está na aura de Maximiano Rodrigues, e a bitola de comparação nos exemplos de Cunha Rodrigues e Souto Moura, pela positiva e pela negativa. Vejo as fotos recentes do PGR e acho-o mais penteado, retocado, mais bem posto, mais articulado e explicadinho nas palavras. Vejo-o mais sorridente e afável, o que não é bom. E mais selectivo na contenção, o que creio pior. No geral, vejo-lhe queda para a coisa e muito, mas mesmo muito por onde cair. Não o vejo nú e de toalha à cintura, enloucado pelas ruas da capital e a gritar fantasias de destruição, é um facto, nem espero ou desejo que tal venha a acontecer. Mas também que diabo, ainda nem sequer estamos no Natal. Ainda é cedo para tanto.
Nos finais do passado mês de Outubro, o Procurador Geral da República deu uma entrevista a um semanário em que, entre outros assuntos, comentava as escutas feitas em Portugal à revelia do poder judicial e, a bem dizer, à revelia de toda a gente. Foi em entrevista à revista Tabu do semanário Sol, de 18 de Outubro, que Pinto Monteiro disse a dado passo: «Vou dizer uma coisa com toda a clareza, que talvez não devesse dizer: acho que as escutas em Portugal são feitas exageradamente. Eu próprio tenho muitas dúvidas que não tenha telefones sob escuta». Daí para a frente, de referência em referência, de citação em citação, o nome de Pinto Monteiro foi saltando de nenúfar em nenúfar no lago da atenção nacional.
Cedo vieram as entrevistas à rádio e televisão, para que se pudesse pôr som e imagem em tão polémicas palavras. E Portugal aprendeu então o rosto da Procuradoria, o som das suas inflexões de voz e a medida do seu carácter, na aferição possível de quem vê a realidade do país na televisão do café, às oito da noite. Nicho de mercado para toda a conversão anti-governo, o país real bebeu o PGR em golos pequeninos e saboreados, ao princípio. Mas a sede de justiça era tanta neste deserto português que o mito depressa ultrapassou o homem e se perdeu de vista nos desejos de cada um. O spot promocional da edição de hoje da 'Visão' é o retrato acabado dessa bebedeira do desejo geral. «Não perca as opiniões de um homem que não tem medo de afrontar o poder político. Pinto Monteiro arrasa a lei que reduz os magistrados a funcionários públicos, fala sobre o caso Maddie, Operação Furacão e Casa Pia. Visão: tenha uma.»
O Zé Maria está bem, agora, e eu fico feliz por isso. Recompôs a sua vida e eu bato palmas de longe, depois de o ver cair de perto. Raras vezes vi um massacre tão intenso em alguém tão cordeiro, raras mortes foram tão anunciadas como a sua, às mãos gulosas dos senhores da vaidade nacional, sempre prontos a esquecer os ossos da carne que comem. Mas suspeito que um novo ciclo digestivo está a começar. Acontece-me essa suspeita sempre que começo a ver e ouvir muito mastigar na mesma carne. É claro e por demais evidente que Pinto Monteiro não é um zé maria qualquer, mas também o que está em jogo na Procuradoria Geral da República deixa os cenários e os milhares de toda a produção Big Brother no tostão do mealheiro dos desvalidos. Na batalha do carisma, a concorrência do PGR está na aura de Maximiano Rodrigues, e a bitola de comparação nos exemplos de Cunha Rodrigues e Souto Moura, pela positiva e pela negativa. Vejo as fotos recentes do PGR e acho-o mais penteado, retocado, mais bem posto, mais articulado e explicadinho nas palavras. Vejo-o mais sorridente e afável, o que não é bom. E mais selectivo na contenção, o que creio pior. No geral, vejo-lhe queda para a coisa e muito, mas mesmo muito por onde cair. Não o vejo nú e de toalha à cintura, enloucado pelas ruas da capital e a gritar fantasias de destruição, é um facto, nem espero ou desejo que tal venha a acontecer. Mas também que diabo, ainda nem sequer estamos no Natal. Ainda é cedo para tanto.