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Menino ainda, lembro-me de ter pensado pela primeira vez em
'homens que não tiveram tempo para ser meninos' quando descobri a frase, nos '
Esteiros' de Soeiro Pereira Gomes. As desventuras dos putos do tijolo, os desvarios com a
Louca a ensinar-lhes a vida, o filho daquela que não deitava fora o Inverno. Lembro-me de achar duas coisas. Que não haveria maior desgraça que ser homem sem ser primeiro menino. E que bom que era aquilo só acontecer nos livros.
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Mais tarde lembro-me de muito e sem ordem de chegada. Lembro-me das caras dos garotos que arrastavam os seus pais e professores pelas ruas, tosquiados, amarrados, espancados e de cartaz ao peito com insultos, para neles cuspirem e baterem na praça pública de uma China exultante no crime. Lembro-me do rosto do ódio dos Khmers no Cambodja, escassas dúzias de anos armadas até aos dentes que só se viam em gritos, nunca em sorrisos. Lembro-me dos mesmos rostos e do mesmo ódio mas em preto e branco, aqui e ali e ali e ali nessa África tão imensa em tamanho como em selvejaria e estupidez.
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Lembro-me das expressões assustadas de uns gaiatos loiros de uniforme nazi, apanhados de armas e calças na mão nas derradeiras barricadas de Berlim e quantos fuzilados na hora, por tolice e imaturidade. E lembro-me do relatório da Human Rights Watch (HRW)
que acusa o Exército de Myanmar de recrutar crianças à força para suprir a falta de soldados voluntários e a alta taxa de deserção no exército. Claro que me lembro, foi publicado hoje.
Crianças de até 10 anos que são arrancadas ás famílias, espancadas e ameaçadas de prisão e assim forçadas a entrar nas forças armadas de Myanmar através de recrutadores militares ou intermediários civis que recebem dinheiro do Exército por cada uma. Jo Becker, representante da HRW, disse hoje à BBC que o país «está literalmente comprando e vendendo crianças» para preencher as fileiras do Exército. «Os generais do governo toleram o ostensivo recrutamento de crianças e não punem os responsáveis. Nesse ambiente, recrutadores do Exército traficam crianças livremente».
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Menino ainda, lembro-me de ter insistido em plantar um belo rebento de macieira, certa vez, num caminho que era pisado e calcado por toda a gente. Fui avisado e avisado, vezes sem conta. Insisti. Só deu merda. Não saiu uma única maçã de jeito.
RVN