A ópera em Portugal - Os Intérpretes: Luísa Todi e Irmãos Andrade (V)
Talvez em nenhuma arte a manifestação do talento natural dependa tanto da sua prática generalizada na sociedade como acontece na música. Depois de se ter tornado um hábito, quase um vício dos portugueses, sobretudo das classes mais abastadas, surgiram na ópera em Portugal não apenas compositores de grande valor mas também alguns intérpretes de enorme qualidade. Neste quinto capítulo de 'A ópera em Portugal', Daniel de Sá recorda dois nomes que fizeram história, à época: Luísa Todi e os Irmãos Andrade.
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
Parte I : As origens da ópera
Parte II : Introdução da ópera em Portugal
Parte III : Primeiros tempos / o triunfo
Parte IV : Marcos Portugal: vida e obra
Parte V: Os Intérpretes
O nome artístico mais famoso do primeiro século do canto lírico em Portugal, e talvez de sempre, foi o de Luísa Todi. Luísa Rosa de Aguiar nasceu em Setúbal em 1753, e devido à sua intuição para a arte dramática representou aos catorze anos, em Lisboa, um papel declamado na peça Tartufo, de Molière. Essa sua característica viria a ser determinante no êxito da carreira lírica, por conseguir aliar uma voz notável à capacidade de incarnar o sentimento das personagens. Depois de ter participado com sua irmã em algumas óperas cómicas, casou-se com Francesco Saverio Todi, um violinista de Nápoles que a levou a estudar com David Pérez, também napolitano mas de origem espanhola, que D. José tinha chamado a Portugal, onde se fixou até à morte. E foi precisamente no desempenho de um papel da ópera Demofonte, daquele compositor, que se estreou em 1722 no Teatro do Corpo da Guarda, no Porto.
A partir de então a carreira de Luísa Todi transforma-se num acumular constante de êxitos, começando a sua fama internacional com a estreia em Londres, em 1777, de Vittorina, de Nicola Piccini, outro compositor napolitano que, em Paris, provocou sérias disputas entre os seus partidários e os de Gluck. E é nessa capital, no ano seguinte, que Luísa Todi continua e consolida o seu percurso no estrangeiro cantando nos Concerts Spirituels.
Vêm a seguir Turim e o seu Teatro Régio; Potsdam, na Alemanha, onde a aplaude o imperador Frederico II; o mesmo acontece em Viena, em relação ao imperador José II. Depois de uma passagem por Lisboa, em 1783, vai para Paris, e aí canta ao lado de Gertrude Mara, o que inicia uma rivalidade no público que logo se divide por uma ou por outra, já consideradas as maiores cantoras líricas do seu tempo, reconhecendo os críticos à portuguesa a vantagem da sua capacidade expressiva.
Na corte de Sampetersburgo, aonde a chamou Catarina da Rússia, entre outras obras canta Polimnia, cujo libreto ela mesma escreveu, e é nomeada professora das princesas. Participa depois na inauguração do magnífico Teatro Ermitage, com a ópera Armida, de Giuseppe Sarti, o que provoca o aparecimento da rivalidade com o “castrato” Marchesi.
Continuou a somar êxitos até cerca doa cinquenta anos, tendo em 1789, na última vez que cantou em Paris, recebido o título de “la Chanteuse de la Nation”. A sua despedida no estrangeiro foi em Nápoles, em 1799. Supõe-se ter cantado em público pela última vez no Teatro de S. João, no Porto, tal como se presume, pelas notas graves que conseguia obter, que terá sido meio-soprano. Morreu cega, em 1833, em Lisboa, onde vivia com algumas das filhas.
Irmãos Andrade
Em 1859 nasceu em Lisboa Francisco de Andrade, um dos maiores barítonos do seu tempo. A sua estreia foi em San Remo, em 1882, cantando na Aïda. Durante trinta e cinco anos foi aplaudido nos melhores teatros da Europa, notabilizando-se principalmente na interpretação da figura do D. João, de Mozart, e merecendo a atenção especial de reis e imperadores de Portugal, da Inglaterra e da Suécia, da Rússia e da Alemanha. Dele disse Viana da Mota o seguinte: “As mais intensas impressões músico-dramáticas que recebi foram as de Bayreuth e as das representações de Francisco de Andrade.”
Seu irmão António não terá sido, como tenor, menos brilhante do que ele, embora a maior abundância de cantores com este registo de voz não lhe concedesse um primeiro plano tão evidente. Um digno sucessor destes dois artistas foi, no século XX, o tenor Tomás Alcaide, que nasceu em Estremoz em 1901 e conquistou todas as plateias dos teatros onde actuou na Europa e na América.
(Amanhã: "Parte VI - O Teatro de S.Carlos, Um novo estilo")