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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

06
Mai08

Notícias de jornal

Rui Vasco Neto

Todo o santo dia é a mesma coisa. Enfim, quase a mesma coisa, lá muda uma mosca ou outra. O resto é igual, são notícias como esta, muitas notícias como esta, e outras iguais, e parecidas, e outras parecidas e iguais. «A Polícia alemã deteve ontem, em Olpe (Renânia do Norte-Westfália), uma mulher por "grave suspeita" de infanticídio de três recém-nascidos encontrados na cave da sua casa, numa arca frigorífica.» Mundinho de merda, não é? Ouçam o resto, atentem no pormenor: «Os corpos foram descobertos pelo mais novo de três filhos de um casal com uma vida perfeitamente normal.», Os senhores não acham fantástica esta expressão, 'casal com uma vida perfeitamente normal', para descrever quem guarda três filhos mortos no frígorífico? E no entanto eles eram de facto um casal com uma vida perfeitamente normal, mais um neste mundo perfeitamente normal em que vivemos.

Bom, eu confesso que fiquei para aqui às voltas com o conceito de 'vida normal'. E daí para a frente já não parei, sabem como estas coisas são, isto dos assassínios são como as cerejas e agora com o Google não tem caroço, há de tudo para todos, até assassínios, com certeza. (Isto era eu a pensar cá com os meus botões, já pus a itálico para os mais distraídos apanharem). Pois bem, toca então de ir para o Google em busca de matadores para o meu post. Foi canja, como calculam. Eu é que nunca calculei, que se matasse tanta gente por metro quadrado no Google. Mães a matar filhos, por exemplo: há bué, por mais incrível que possa parecer. Mas como eu já tinha uma mãe a matar filhos, lembrei-me de procurar outras matanças, para ver o que havia. As coisas de que eu me lembro, é o que é.

Experimentei 'Filho mata mãe', para também não variar muito. Pimba! Cá vai disto, fez o Google, e vá de despejar uma tal matança de mães que até a mim me impressionou, eu que acho que 'mãe há só uma' exactamente porque ninguém aguentaria duas, meu Deus! (mãezita, desculpa lá esta). Escolhi a história de um tal Neotel Rafael, talvez pela singeleza da sua graça. «O indivíduo, solteiro e de 39 anos, matou os pais ontem de madrugada e a suicidou--se quase duas horas depois, na casa onde todos viviam no bairro do Catujal, freguesia de Unhos, Loures.», diz o jornal. O método usado pelo Neotel para matar os pais também teve o seu quê de singelo: «Ele atingiu mortalmente os pais, Alice e Domingos, no crânio com um martelo. Depois, após uma primeira tentativa falhada de suicídio com gás, o homem degolou-se.» É certo que quem escolhe Neotel para chamar a um filho sujeita-se às agruras da vida, mas quanta sanguinolência!


Por esta altura eu já estava por tudo, acreditem. Para piorar a situação, tinha acabado de ler a história deste filho-da-puta, um tal de Joseph Fritzl, o austríaco que manteve a própria filha presa numa cave feita de propósito para este fim quando ela tinha apenas 12 anos. O cativeiro demorou vinte e quatro anos, durante os quais a pobre teve sete filhos deste pai-monstro, os mais velhos com 19 e 18 anos passados sem ver a luz do sol! Por aqui já podem ver que eu estava com um humor de cão de fila, quando arrisquei 'Filho mata pai'. Tcham!, saiu-me um dois-em-um: «Matou o pai e fingiu-se morto para atirar na mãe, não houve sequer discussão, apenas o ruído de tiros, um dos quais em cheio no peito de Inácio Valente. "Só não conseguiu acabar com a mãe porque ela caminha mais devagar por causa dos problemas do coração", acrescentou um primo do alegado autor do disparo fatal.» Estava por um fio, a minha fé no mundo em geral e nos meus compatriotas em particular.

Resolvi tirar os 'filhos' da pesquisa. 'Agora só pais, pais com mães e vice versa', (isto era eu a pensar outra vez). Ora!, foi tiro e queda, passe a expressão, e teve direito a bónus e tudo: «Matou ex-mulher e sogra no dia dos anos da filha», googlou o JN; «Catarina fazia ontem cinco anos de idade, mas dificilmente voltará a festejar o aniversário com alegria. O pai matou a mãe e a avó materna, quando estas a vinham visitar e trazer-lhe um presente ao infantário, em Santa Marta de Penaguião.» 'Ok, seja!' (eu estava danado, já!). 'Tem de haver um pingo de decência nesta humanidade onde mães matam filhos que matam avós que matam pais que..'' Ooops! Foi aqui que me lembrei de uma para enganar o Google: 'Neto mata avó', escrevi convicto e sem medos. Ninguém mata uma avó, que diabo. Pois passei-me com a resposta, caramba; «"Neto confessou que matou a avó por causa do Benfica"», li e gelei, sobretudo com as explicações do próprio: «O Benfica jogava naquele dia e não estava bem da cabeça. Tinha bebido a mais e ela não me deu o dinheiro que eu queria». 'Porra!!', (foi o meu último pensamento).

Para mim o assunto estava arrumado, depois desta. Senti um arrepio de nojo pela espécie humana, um vómito de assistir ao Homem a comportar-se como um animal. Olhei para o meu cão, para o meu meigo e fiel cão, ali aos meus pés, e escorreu mel coado do meu sentir por ele. Ah, que bom é sentir que se pode confiar, a cem por cento; dali não viriam nunca facadas, tiros ou marteladas. 'Google, meu cínico, toma lá esta e embrulha!', pensei; e logo escrevi, com um sorrisinho irritante (espero!) de superioridade: 'Cão mata dono', sugeri à pesquisa, recostando-me na confortável certeza de um xeque-mate seguro. Mas…mas…Oh, Deus! «Cão mata seu dono com tiro durante caçada.», googlou o gajito, enquanto eu morria, ou quase, ali no chão. Li o resto à beira do enfarte: «Um homem morreu no Estado do Texas, nos Estados Unidos, depois que o seu cachorro pisou a arma que ele usava para caçar, atirando acidentalmente na sua perna, segundo a agência EFE.» Os senhores imaginam o choque que isto foi?


Olhei mais uma vez para o meu querido Gastão, para retemperar a fé antes de ir despachar o Google. A notícia abalou-me, é certo. Basicamente não podia ser verdade, estas coisas não acontecem, os cães não andam para aí aos tiros aos donos, talvez uma dentadita, pronto. Mas era mesmo verdade, que eu fui lá conferir, para matar a dúvida. E foi nessa altura que a coisa se deu. Mesmo por baixo do link desta história do tal texano abatido a tiro pelo cão, ali mesmo debaixo do meu nariz estava isto: «Um grupo de cães de caça feriu à bala um americano que caçava faisões, informou esta segunda feira o Departamento de Recursos Naturais de Iowa. James Harris, de 37 anos, saiu para caçar junto com um grupo de amigos na sexta feira passada, um dia antes de terminar oficialmente a temporada de caça ao faisão. O grupo disparou contra um ave, que caiu do outro lado de uma vala. Harris foi pegar a ave, pousou sua arma no chão e cruzou a vala. Foi quando os cachorros chegaram correndo, pisaram na arma e dispararam acidentalmente, ferindo Harris, que foi transferido para o Hospital de Iowa.» "Desisto!", rosnei. E desisti mesmo.


Lembram-se como começou esta nossa conversa? Com as notícias deste mundo doido, recordam-se? A mulher que matou os três filhos e os guardou no frigorífico lá de casa, o Joseph Fritzl que sequestrou e violou a própria filha durante vinte e quatro anos, o neto que matou a avó e o homem que matou a mulher e a sogra, entre outras? Pois é todo o santo dia a mesma coisa, enfim, quase a mesma coisa, lá muda uma mosca ou outra.


Por falar em moscas: pus o Gastão na rua, até ver, pelo sim pelo não. Não quero cá tiros em casa.

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