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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

07
Jun08

De praga, doença, obsessão, a caso de polícia.

Rui Vasco Neto

Pesam-me os dedos para bater nesta tecla, tenho que dizer. Venho a pegar de empurrão, a querer fugir da raia, gato escaldado que estou, medroso e cioso das vidas que me restam, se é que me resta alguma. Venho a fingir que não mas a dizer que sim, a olhar para o lado mas a evitar pisar, contornando. Só que isto é merda que salta, não poia quieta e sossegada no seu canto. Faz questão de se bostar no meio do passeio para se colar em pedacinhos ao chinelo (de preferência) de quem passa e, na passada, a leva consigo já para casa. Daí até se habituar a ela é uma questão de tempo, já reza o dito que primeiro estranha-se mas que depois é o que se sabe, entranha-se, quantas vezes em afinidades, almas gémeas, chinelo igual, raiva comum. É isto que é uma praga. E eu tenho uma, alapada na minha vida há treze, catorze, quinze anos, mais um menos um, who's counting? Então e como é ter uma praga na vida? Numa palavra, insuportável. Não se deseja ao pior inimigo.

 

A minha praga já é uma rotina tão sabida, um frete já tão da casa, que a regularidade trouxe como que uma anestesia local em que a gente está a ver tudo, sabe o quanto nos dói e o mal que nos está a fazer mas escolhemos sentir menos, por mero mecanismo de defesa do organismo. Ou por pura cobardia, seja. E assim se vai vivendo, sobre. Não deixa de ser perverso, já que o ideal seria resolver, extirpar o tumor de vez, raspar as raízes e pôr um ponto final no assunto. Pois. Eu sei. Mas eu tenho uma praga na minha vida que é uma coisa assim... como dizer, diferente, talvez. Escrevi sobre isso recentemente, não me custa repetir, acho até que tem que ser. Não sendo o meu assunto preferido, a verdade é que chega uma altura em que não é mais possível fazer de conta que a casa ainda está de pé, enquanto olhamos para as ruínas que contam uma outra história bem diferente. Deve ser a isso que chamam o limite, creio eu. A parte curiosa é também eu ter um, pelos vistos.

 

Ter uma praga na vida é ter uma carga de trabalhos nas costas, uma canga que se carrega dobrado e sem hipótese de escolha. Praga não tem primavera, é nada mais que um longo inverno de tempestades, raios e trovões alternados com aguaceiros ligeiros, a suplicar abrigo e a pedir solzinho por favor. E depois lá vem tromba de água outra vez, quando a gente já está esquecida e de calção novo, a banhos noutra praia. É molhado que não seca por mais calor que apanhe. Ter uma praga na vida é uma porra, acreditem. 

O ódio é reconhecidamente uma praga, é certo, mas eu cá pergunto a mim próprio se o amor não poderá ser praga pior e mais corrosiva. Ser objecto da paixão assolapada de alguém é tragédia que nos deixa gregos. É nunca saber sequer que se deseja, é ter cá dentro um astro que bem podia ir flamejar outro, se faz favor, vá lá, irra, por obséquio, facilite e areje, pelo amor da santa! Mas nada feito. Foi uma atracção fatal assim que matou o gato ao Michael Douglas, quando Glenn Close acabou com o mito das sete vidas numa panela de água a ferver lá de casa. Não é a curiosidade que mata, é a paranóia. E ser o rosto fixado na imagem do acordar e deitar de alguém que não queremos em nós, mais a sua razão de viver para o resto dos dias, é mais e pior que telepatia de feira, é doença do foro psiquiátrico. Não é caso para brincadeiras.
Ser pragado é pior que ser praxado, na dureza e no tempo da provação. É explicar que não, não, desculpe, não, não dá. E ouvir que sim, sim, desculpe, sim, sim mas. É aparar golpe atrás de golpe sem estocar a espadeirada redentora do contra-ataque, insistindo na defesa por pruridos de nojo que nos vão levando à falência, moedinha por moedinha. E é carregar a cruz de Cristo numa via pouco sacra, onde nada é sagrado para a impiedade de quem nos nega descanso. Pura obsessão, teimosia, cegueira, despeito, loucura. Uma tristeza. Uma praga.

 

Terá um escasso par de meses que eu escrevi este texto, três, se tanto. E já na altura ele se me escapou porque estávamos em pleno ataque, mais um, outra vez debaixo do fogo cerrado de tanto azedume e malvadez que dir-se-ia verdadeiramente inesgotável esta fonte de ruindade alojada no lugar que deveria ser o de um coração de mulher. Em verdade vos digo que esta dor-de-corno, em particular, tem tudo para fazer história nos anais da dor-de-corno em geral, como um clássico de culto para todos os lunáticos da especialidade. O que, diga-se, poderia resultar deveras interessante do ponto de vista regional, social, psicológico, mesmo literário, se quiserem, não fora o facto de ser a minha própria história esta que está a ser escrita pela dor-de-corno de alguém evidentemente transtornado, para ser suave. Pois só esse pormenor já traz diferença que chegue à situação, da maneira que eu vejo as coisas; já estipula regras e limites para a indecência tolerável. Nada a fazer, por esse lado: antes o massacre sem resposta, do que descer ao nível rasteiro desta praga. Que se mantém activa, diga-se a propósito. Daí toda esta conversa.

 

Nos últimos dias, mais um novelo de intriga e má-língua rasteira se desenrolou e estendeu pelas vidas de uma, duas, três, cinco, dez pessoas, que sei eu! Quem pode garantir por quantas bocas passa um boato até finalmente se aquietar, nunca esquecido, num canto da memória colectiva ou individual? São assim as coisas, é assim a gente. A vida do 'gajo da televisão, sabem, aquele?', circulou mais uma vez em edição pirata, tão pirata que qualquer semelhança entre a verdade e a ficção só pode ser um mero descuido, não coincidência, da parte de quem mais uma vez se deu ao trabalho de inventar, desenhar, construir e colorir uma tragédia de brincadeirinha para achincalhar outra pessoa. Para cuspir e calcar, pela calada, iludindo toda a gente e ainda arregimentando para a causa um ou outro incauto que se ponha a jeito. É isto que é uma praga, um nojo de carácter. E eu tenho uma praga na minha vida, alguém tão desiquilibrado e ruim que os seus actos há muito revelaram não passar de um caso psiquiátrico, a requerer atenção médica urgente, que nunca mais chega. Mas que, por mais vergonha e embaraço que me possa trazer a mera constatação do facto, não deixa de ser mais um caso de polícia, tal como o de qualquer outro criminoso psicopata semelhante. Um caso de polícia exactamente igual àqueles em que um merdas qualquer persegue e agride sistematicamente alguém que não se pode defender. Um nojo de cobardia. Uma tristeza. Uma porra. Uma praga.

 

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