O meu amigo Daniel de Sá tem às vezes cada uma que mais parecem duas. Ora vejam esta: «Obviamente que isto não é poesia, nem por sombras. a semelhança está na métrica e na rima, nada mais. No entanto, se estiveres de bom humor, até pode ser que lhe aches graça. se não estiveres, piorarás sensivelmente. Conta com isso. Trata-se de um acróstico que eu fiz para o Onésimo Almeida, por altura do seu quinquagésimo aniversário. (Escrevi por extenso para não te dar o trabalho de ler 50º.) O nome dele encontra-se juntando cada primeira letra de cada verso; o meu, pegando na primeira letra de cada último verso.» Junta-lhe o abraço do costume e pronto, toma lá acróstico para o Onésimo. Eu cá só faço anos em Setembro, é certo. Mas sempre quero ver se ele tem a lata de me oferecer umas míseras peúgas.
Em baixo: "Acróstico"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
Orgia da palavra bem pensada,
Natureza total da humana essência,
Édipo da verdade desvendada,
Saber feito de si e da exp’riência,
Inimigo da vida sossegada,
Moldando (como quer sua ciência)
Os actos que o destino lhe destina.
– Desobedece à sorte, se é mofina.
Omitir-se não pode, que ao saber
Não convém fingimentos de ignorância.
Étimo remissivo do escrever
Sobre este amargo mar, nesta distância,
Inventa ou prova, até um incréu crer
Movido à fé por uma tal constância.
Os Açores são, pois, o imaginário
–A que deu voz e corpo literário.
Onde haja um português que se aquebrante
Nas Índias do Ocidente, mundo imundo,
É dele que se espera que o levante,
Se do abismo até já soube o fundo,
Indo a Cascos de Rolha, num instante,
Mais longe, sendo o caso, que do Mundo,
Outro nenhum como ele sabe os cantos.
– Nenhum outro, sendo um, vale por tantos.
Ouçamos-lhe a palavra deleitosa,
Negando-se à vulgar monotonia.
Ética ou não, é sempre numerosa,
Salva-a, por mais que dure noite e dia,
Isso de ser tão sábia quão jocosa,
Menos dada à tristeza que à alegria.
Orgulho, talvez não, nem preconceito.
– Isto é como se quer um homem feito.
Obélix é, se a ele comparado,
(Na força o bom gaulês, ele no siso)
Ésquilo infante ainda; recém-nado
Salomão muito longe do juízo;
Ibsen p’la mãe ainda amamentado;
Malebranche de si só com seu viso;
Ouro a haver na retorta do alquimista.
– Esta a imagem possível do artista.
Ondas do mar de Vigo que chegaram,
Na língua portuguesa a Portugal,
É nelas que as palavras nunca param
Sulcando mar e mar, por bem e mal.
Imersos nessa glória se c’roaram,
Mundo outro construído a este igual:
Onde aqui foi a fé, lá é o templo.
– Louvemos o seu nome, mor exemplo.