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Sete Vidas Como os gatos

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Sete Vidas Como os gatos

10
Ago08

O gato e o rato

Rui Vasco Neto

O meu amigo Daniel de Sá tem um passado, como toda a gente. E terá um futuro, longo e brilhante, por certo. E um dia, lá muito, muito para a frente, barrado às portas do Céu pelo serviço de estrangeiros e fronteiras, ele vai poder invocar a seu favor o facto de ter sido meu amigo (pode ser que ajude, mas duvido), ou as suas reconhecidas qualidades enquanto escritor e homem recto e bom durante a sua existência terrena. Mas vai ter problemas se um qualquer Nunes da ASAE lá do sítio souber do seu passado de político, deputado à Assembleia Regional dos Açores e militante partidário. Enfim, todos temos os nossos quês, essa é que é essa. É pois a esse passado aventuroso que ele vai hoje buscar o testemunho que se segue, presencial, de um momento que fez História assim, independentemente de como ficou para a História. «A verdade histórica é esta; o juízo de cada um fica à responsabilidade de cada qual», diz-me em recado privado. Tudo isto ainda nos ecos da comunicação de Cavaco e da bicada de Soares. As conversas são como as cerejas, é o que é.

 

Em baixo: "O gato e o rato"

Sete vidas mais uma: Daniel de Sá

 

 

Uma das coisas que me têm incomodado na relação dos Açores com Lisboa é esta espécie de jogo do gato e do rato, cujo último capítulo vai sendo o do Estatuto. Até que outro surja. E digo jogo do gato e do rato, porque umas vezes estas ilhas são apregoadas como umas coitadinhas cuja felicidade Lisboa quer destruir, outras vezes julgam-se tão importantes que imaginam que o País não pode viver sem elas e “tem de as pagar”.

 

Ora o problema dos Açores é que no porto de Angra há séculos que não ancoram os navios do comércio da Índia e das Índias; a Horta já não abastece de carvão as caldeiras dos transatlânticos nem serve de ponto de passagem das linhas do telégrafo; Ponta Delgada já não dá apoio aos transportes de tropas americanas a caminho da Europa; a era do jacto tornou o aeroporto de Santa Maria absolutamente dispensável para os voos longos; as Lajes podem ser substituídas por um porta-aviões, sem que as USAF sofram muito com isso.

 

Ora bem. A questão das bandeiras foi o acto de um drama num momento em que os Açores quiseram fazer de gato. E que hino e que bandeira são esses, de que o PSD ainda me acusa de não ter aceitado, bem como aos meus camaradas deputados regionais?

 

Resumo a história. Havia uma comissão de heráldica encarregada de estudar os símbolos da Região. Num certo dia, o Presidente do Governo Regional entrou de surpresa na sala do nosso grupo parlamentar. Trazia na mão uma cassete minúscula, com uma melodia qualquer tocada em piano pelo Teófilo Frazão. O que ele nos disse, mais palavra menos palavra, foi o seguinte: “Não sei onde acharam isto, mas é isto que vai ser aprovado amanhã como hino dos Açores.” E mostrou-nos o desenho de uma bandeira, semelhante à da FLA (Frente de Libertação dos Açores), fazendo notar que o milhafre, ou açor, não estava na posição correcta, mas que essa seria corrigida. Também era para aprovar. Quanto ao hino, não tinha letra ainda, haveria de ser feita mais tarde.

 

Deu-nos cinco minutos para apreciarmos ambos os símbolos. Do brasão, nem esboço nem sombra. O Emílio Porto, que até já recebeu uma comenda da Ordem do Infante a premiar os seus dotes musicais, tentou comigo descobrir o compasso daquela estranha melodia. Não conseguimos.

 

Ora, sem qualquer referência histórica ou outra a respeito do hino, sem uma explicação feita mais ou menos em termos de heráldica quanto à bandeira, entendemos que não havia condições para decidirmos em boa consciência. Mais ainda: a letra seria acrescentada mais tarde. Por isso avisámos de que não participaríamos numa sessão tão importante sem um mínimo de dados que nos permitissem votar com conhecimento de causa, até porque o assunto não estava agendado, e surgia à revelia do esperado parecer da comissão de heráldica.

 

Viemos depois a saber que aquela partitura tinha sido encontrada no espólio de uma banda filarmónica, e que a letra para que tinha sido composta era algo de quase absurdo. Ambas feitas durante a campanha política de que resultou a autonomia de 1895.

 

A letra acabaria por ser encomendada pelo Governo Regional à Natália Correia, que escreveu talvez o seu pior poema de sempre. Quer dizer que àquele hino aconteceu algo semelhante ao “Candles in the Wind”, que o Elton Johnn fez para a Marilyn Monroe e depois cantou para a Diana.

 

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