O meu Brasil português
Em baixo: "O meu Brasil português"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
O Brasil da minha infância era: “Amazonas, Manaus; Pará, Belém; Maranhão, São Luís; Piauí, Teresina; Ceará, Fortaleza...” A voz de minha mãe recitando como um poema. Ensinara-lhe a escola, mais de um século depois do “Fico”. Remorsos do colonialismo ou saudades do Império?
O Brasil da minha infância tinha Oscar Niemeyer plantando uma cidade no mato. Millôr Fernandes e o Amigo da Onça. Rachel de Queiroz na última página. Vasco da Gama campeão. Fla-Flu, e Palmeiras, 1 – Corinthians, 1. Seu Mané Garrincha que ainda era do Botafogo antes que o Botafogo fosse de Garrincha. O Brasil da minha infância não era dos coronéis. Depois foi e ficou mais triste. E “O Cruzeiro” também. Só o Zé Carioca continuou feliz e fazendo felicidade. E eu sempre escrevi o ditado escapando ao castigo da D. Úrsula. Porque não me esquecia do “c” dos “factos”. Hoje é que os doutores pensam que a gente é burra e querem mudar as “ortoleis” da “heterografia”, para não errar. Se a D. Úrsula fosse viva, iria ao ministério e corria todos à reguada. Cinco vezes por cada palavra trocada, duas por cada acento em falta.
O Brasil da minha infância cresceu comigo. Continuou a ter o povo dos cafezais de Portinari, mas também o povo de Zumblick porta-bandeira do Divino. Porque foi ficando cada vez mais a sul. Até ao pampa que a gente por cá diz “as pampas”. Com castelos do Assis Brasil e rios que têm as margens imóveis. Com o vento da Lélia Nunes. Aquele vento Sul que fazia travessuras nas saias das meninas. E os rapazes à espreita, à espera de revelações.
O Sul onde há saudades da ilha. Da ilha dos Açores, que são nove. E Santa Catarina imagina-se também ilha, só para ser mais parecida à Terceira ou a São Jorge.
Ficaram por aqueles fundos do Brasil o Espírito Santo e falas da ilha que são nove. Um Divino com sotaque tropical e vozes com requebros de tons rubros. E a gente pasma: como Deus é grande! Bem disse Eça de Queirós que o “Brasil brasileiro” tinha tudo de bom e tudo de menos bom que os nossos avós levaram consigo. Só não sabia que Deus é brasileiro também. Mas Eça não podia saber tudo.
Ficou-nos esta sina de permanecermos unidos. De termos a mesma lágrima quando o escrete perde ou quando o Brasil ganha. Porque somos irmãos. Até pusemos no dicionário palavras antes só ouvidas nos matagais guaranis ou nos sertões tupis.
Continuamos por cá. Entre mar e céu, entre marés e montanhas. Divinos, quase. As coisas ou nós? Tudo. Uma espécie de panteísmo pressentido. Desde o “cagarro” de Santa Maria ao “manezinho” da Ilha. Até à ilha outra, e até quase ao sul de todo o Sul, em Porto Alegre, cidade do Rio Grande.
Vocês continuam por cá. E nós estamos aí.