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Sete Vidas Como os gatos

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Sete Vidas Como os gatos

25
Ago08

O outro lado das tragédias

Rui Vasco Neto

Corria o ano de 1957 quando os olhos do mundo se abriram de espanto com o acordar de um gigante que dormia em águas portuguesas do Oceano Atlântico. Hoje, Daniel de Sá recorda esse momento dramático da nossa história recente numa prosa feliz. «Provavelmente muitos dos nossos leitores sabem pouco sobre o vulcão dos Capelinhos. No ano passado, o Tony Goulart, senador da Califórnia, organizou um livro com memórias do vulcão. Pediu-me um texto, eu alinhavei umas ideias. Ora aconteceu que ele achou a primeira parte desse texto como a ideal para abrir o livro, pelo que me pediu para o partir em dois pedaços: um que abriu e outro que meou. Abriu, claro, depois da saudação institucional do Carlos César. Acabei por ficar entre o meu amigo César e o Ted Kennedy, vê lá que "classe"!». Pronto, eu tenho que ser absolutamente franco convosco: por mais voltas que dê à coisa ainda não consegui perceber o que quis ele dizer com aquelas aspas na palavra 'classe'. Mas vamos ao texto, entretanto, que esse é de classe, sem dúvida. E sem aspas.

 

Em baixo: "O outro lado das tragédias"

Sete vidas mais uma: Daniel de Sá

 

 

Não há tragédias sem reverso. É sobretudo de tragédias que vivem os prémios de fotografia, o Nobel da Literatura, o Pulitzer, as primeiras páginas dos jornais, os noticiários da rádio, da televisão. A dor é o espectáculo mais apreciado do Mundo, tornado num imenso Anfiteatro Flávio.

 

Com frequência, a própria Natureza se encarrega de escrever o guião, de encenar a peça e de escolher os actores ao acaso, para saciar o desejo mórbido dos apreciadores do belo horrível. O vulcão dos Capelinhos (1957/58) teve um pouco disto tudo: assustou, destruiu, maravilhou. O Faial mal dormia com medo do cataclismo que apregoava a sua força com urros infernais e um bailado de cor e cinzas. Aldeias foram despovoadas e destruídas, com o farol a teimar de pé, como a sentinela que não caiu em Pompeia. Fez a delícia de cientistas que nunca tinham visto um vulcão nascer e adormecer. Disputou com o Sputnik, lançado para o espaço uma semana depois da sua aparição sobre as águas, os destaques nos jornais de Lisboa. A RTP, que começara as emissões em sete de Março, só fizera ainda uma grande reportagem de exterior, a visita ao Brasil de Craveiro Lopes, presidente da República. O vulcão permitiu-lhe momentos de glória, ainda hoje famosos na recordação de quem viu e de valor inestimável nos arquivos a preto e branco.

 

As pessoas acabaram por habituar-se aos seus soluços ciclópicos e aos seus clarões fascinantes. Há quem diga que até em S. Miguel se viram sinais dessas sombras de luz. E as noites do Grupo Central do arquipélago passaram a ter dois espectáculos garantidos. Um era a fantástica repetição da epopeia geológica que fez estas ilhas. O outro era o brilho do sol no foguetão em órbita que levara o Sputnik para longe da gravidade. A cerca de novecentos quilómetros de altitude e movendo-se a quase trinta mil por hora. Era o mundo velho, tão velho como a criação, visto ao mesmo tempo que o futuro.

 

Mas, para os que sofreram as consequências do poder destruidor do vulcão, o futuro parecia ter-lhes fechado as portas. Casas destruídas, terrenos tornados estéreis. Começar do zero era o desafio, numa ilha que não podia ajudar muito. Mas, menos de um ano depois, a dois de Setembro, foi dado um sinal de esperança. No Senado dos Estados Unidos, John Kennedy e John Pastore, eleitos por Massachusetts e Rhode Island, propuseram o Azorean Refugee Act. Estavam abertas outras portas, e estas no Continente Americano, o Novo Mundo de todas as esperanças.

 

Tendo em conta a população da ilha, começou então uma das maiores sagas de emigração em massa da História da Humanidade. Até 1965, cerca de duas mil e quinhentas famílias do Faial mudaram de vida e de pátria. Era quase metade da população da ilha, de uns trinta mil habitantes apenas. Entre os emigrados, alguns não teriam sofrido muito mais que o susto que todos sofreram. Mas eram quase tão pobres como os sinistrados. Nessas circunstâncias, o governador do Distrito, Dr. Freitas Pimentel, foi um cúmplice de boa vontade. Foi ele que deu informações para a concessão de vistos a muitos dos que tentaram aproveitar a oportunidade criada por Kennedy e Pastore. Como se todos tivessem sido vítimas directas da destruição à volta dos Capelinhos.

 

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