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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

28
Ago08

À atenção dos senhores do Sapo, fachavor, evidentemente. Tadita.

Rui Vasco Neto

Pois foi tudo munto bom e munto agradável e tudo e tudo e tudo. Afinal sempre foram uns quantos milhares de pessoas a mais que apareceram assim de repente, de surpresa, nem deu tempo para preparar um chazinho ou assim, uns scones de alfarroba, nada de nada, enfim, foi uma afobação mas passou-se, pronto, quem dá o que tem já se sabe. Isto é uma vida, é uma vida, é o que isto é. Mas agora que já passou a revoada do destaque nos blogs do Sapo e que a enchente já vai vazando (ficaram só dois senhores e uma senhora coxa que andam lá para baixo, nos posts mais antigos, também não sei a fazer o quê, sinceramente) temos aqui um ou dois pormenorzinhos que eu gostaria de colocar à atenção de vexas. A saber o seguinte.

 

A gente cá na casa até gosta munto de receber visitas, isso nem está em causa, a bem dizer somos até umas pessoas munto abertas e tudo e tudo. De maneiras que o que lá vai, lá vai. Pisarem o gato acontece, não tem mal, o chão lava-se e o canário há-se voltar a cantar, paciência, se não morreu do susto os soluços hão-de passar como chegaram, sem mais. Os três vasos partidos do alpendre também é com'ó outro, mais a bicicleta do Daniel, que já estava velhota e tinha os dois pneus furados mas mesmo assim desapareceu, com o gêpêésse novo que ele adorava. Mas paciência, já se sabe, também não há problema com a ração do Gastão que eu vi uns senhores a petiscar, que diabo, temos que ser uns para os outros, isto é assim mesmo. Nada disto tem importância, fazem o favor de aparecer quando quiserem, tudo se arranja, haja saudinha. Só tem uma coisinha que eu assim a modos que se faz favor, pois prontos, é só o que me deixa mais apreensivo e mais nada, daí esta cartinha a vexas. Passo a explicar, finalmente.

 

Trata-se da tia Geraldina, coitada, que vivia carrancuda e sem dar pio, sentada no seu cadeirão de baloiço na sacada da ala norte há mais de quarenta e oito anos, desde que ficou encalhada, tadita, em pleno Estado Novo, a bem dizer sem uso. Não se riam, mas foi depois de toda a gente descobrir que o Oliveira, o seu prometido de menina e moça, tinha afinal um caso com o Luisinho da farmácia, foram os dois apanhados em flagrante no urinol da estação no dia do terramoto, imaginem o abalo (as pessoas com os nervos já se sabe, foram fazer xixi e deram com aquele lindo serviço, muitos nem fizeram). Foi uma escandaleira, não se falava de outra coisa, a tia Geraldina fechou-se em casa e levou quase vinte anos até se sentar no cadeirão cá fora, debaixo dos olhos do bairro e de olhos baixos no chão, mais outros dez para deixar de desmaiar quando um homem lhe dizia bom dia ao passar na rua em frente. Agora andava mais ou menos, tadita, até já tirava o véu aos sábados e tudo. Pois desde o primeiro dia de destaque no Sapo que a tia remoçou, agora canta à tardinha, coisa rara e nunca vista, parece outra depois da enchente, como quem descobriu as queijadas de Sintra e ficou em estado de choque gastro-uterino. É claro que estou preocupado.

 

O que se passou não sei, mas sei que ainda não era meio-dia quando a vi de passo trocado e olhar ausente, saia meio descomposta e blusa mal apertada, a escapulir-se de fininho de um link assim mais escondido, coradinha e toda despenteada mas com o ar mais consolado deste mundo e um sorriso pateta pregado no rosto. Depois, logo de seguida, vejo sair do mesmo sítio um mocetão campónio, de calção largo e camiseta de alças, faces também afogueadas, que mal me viu virou à esquerda e desapareceu num ai, ninguém mais lhe pôs a vista em cima. Eu cá achei estranho, lá isso achei, mas pronto, isto as coisas são como realmente, já não me cheirou bem logo aí. Mas agora que tenho a tia Geraldina de cabeleira loura e leque, com um mini-vestido vermelho do tempo do charleston, franjinhas e decote até à cinta, sapatinho de salto agulha logo às sete e meia da matina e olhos postos e pregados na porta do sitemieter, num cio à espera que saia, com a mesma expressão do lobo mau quando viu o capuchinho, aí eu começo a ficar seriamente preocupado. Em pânico, mesmo.

 

Que diabo, sempre são noventa e sete anos, faz noventa e oito em Novembro, tadita, se aguentar esta pedalada, salvo seja. É que se ao menos ela não se metesse com a freguesia, se ficasse quieta com as mãos, a coisa ainda passava, talvez, mas só hoje à tarde apalpou ela três senhores e rasgou a camisa a um outro rapaz que conseguiu fugir a custo, tadito também. Parece esta onda de assaltos que anda agora para aí, uns atrás dos outros, tenho até receio que a confundam e me matem a velhota um destes dias, agora com os atiradores especiais e tudo, é um perigo, a sério. Vá lá que ela julga que os snipers são chocolates com cereais, tadita, antes assim. Sempre é diabética.  

 

De maneiras que eu pensei cá para mim que talvez os senhores do Sapo pudessem arranjar uma maneira de contactar o rapaz em questão, não sei, talvez pelo ipê dele ou assim, só para ver se ele não se importava de aparecer por cá de vez em quando para uma visitinha, assim como quem não quer a tia, perdão, não quer a coisa, tadita, que pouco mais tem na vida. Sempre era uma caridade que se fazia e a caridade é uma coisa munto, munto bonita, a gente vai para o céu e tudo e tudo e tudo. De maneiras que era isto e pronto, a modos que pois é assim e munto obrigadinho por tudo. Em meu nome e da tia Geraldina pois um grande bem-haja. Pronto. Tadita.

 

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