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30
Out08

Justiça para monstros

Rui Vasco Neto

Existe uma imensa margem, feita do equívoco mais grosseiro, entre estar absolutamente contra o legitimar da tortura enquanto instrumento de interrogatório e estar a favor de Leonor Cipriano, absolutamente ou não. A defesa dos cinco acusados de Portimão está a usá-la toda a seu favor, na esperança de que, ao lembrar quem está a acusar, consiga fazer esquecer quem é acusado, nem que apenas pelo tempo suficiente para garantir a absolvição do tribunal. O truque é fazer Leonor brilhar, dar todo o espaço à sua queda natural para cair e de caminho puxar pelo sebo da sua pessoa, onde há muito ranço por onde escolher, do biológico ao psicológico, onde tudo é ilógico e por isso lógico. Se Leonor for uma chapada para o país o país passa a perceber as chapadas dadas em Leonor, tem lógica ou não tem? Pergunte ao seu coração, só para si e guarde a resposta. Eu não a quero saber. «Quem pode defender uma pessoa assim?», perguntará o preconceito. «Mas quem diabo está a defender uma pessoa assim ou assado?», responderá quem pensar um instante apenas, dois para os lentos, até três é recuperável. Vejamos.

 

É legítimo usar tortura para arrancar confissões a suspeitos de crimes, por mais suspeitos que sejam os suspeitos e por mais horríveis que sejam os crimes? E é o critério do investigador que decide quem é quem, fazendo escola na aplicação do mesmo barro à parede do mais culpado dos culpados, tal como à parede do mais inocente de todos os inocentes, pela lei da vida? Ou o investigador nunca erra, é infalível? Ele sabe, ele cheira, ele tem a certeza, ele sente? Ele aposta que é culpado, deixem-no só trabalhar? Então e se errar só uma vez, como é, conta ou não conta? Tenha paciência? E se forem só duas? Duas vezes paciência? Por ano, por mês, por dia? Quanto é muito, em tortura? E até lá, até ao muito, é nada? Onde se traça a linha, à quarta, quinta, vigèsima chapada? Ou ao terceiro pontapé? Pronto, vamos já directos à pergunta do milhão de dólares. Digam-me, por favor, que eu quero, preciso compreender: a partir de onde passa a ser aceitável, desejável, permitido soltar o Gonçalo Amaral que há em nós quando e se deixados a sós com alguém muito, muito mas apenas suspeito de ser o autor da violação sádica de uma criança? Que até onde eu sei: até confessar.

 

Olho para Leonor Cipriano e controlo a náusea. Entrevistei criminosos em meia dúzia de cadeias, que me lembre, (com especial destaque para Vale de Judeus onde um chefe de guardas foi alegadamente suspenso porque eu entrei vestido de freira para ver o Padre Frederico, dizem, uma das histórias mais deliciosas da minha vida profissional e que um destes dias conto, está prometido) e poucos ostentavam um ar tão culpado como estes dois que acabei de citar, Leonor e Frederico. Os dois nasceram com ar de culpados, cara de culpados, pose de culpados, vida de culpados e seguramente o serão, se o forem, no mais tenebroso dos patamares do pior dos infernos na terra: a alma humana quando nasce podre. Devem pessoas assim ser confessadas a soco pela polícia? Tem mesmo que haver justiça para monstros?

 

Acredito que na falta de provas e perante uma convicção profunda, apenas comprovável por confissão do próprio suspeito, muito interrogador perca a cabeça e erre, uma vez, várias vezes até. É humano que assim seja, perfeitamente humano. O que é desumano é aprovar o erro e ainda bater pala e palmas, mesmo que ambas discretamente e em nome da Justiça. Porque essa, nesse dia, simplesmente deixa de existir.

 

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