Uma pergunta socrática
Os senhores perdoarão os termos da pergunta, espero. São os meus, sei assim, sou assim. E o próprio não se ofenderá, eis-me rezando, ou lá vou eu mais uma vez parar ao rol dos acusados, carimbado de abusador. Sendo que já dei, lamento, obrigado mas não obrigado, juro que dispenso a notoriedade. Até porque na prática não tenho qualquer intenção calhorda nesta questão que ponho, ou sequer nesta forma como ponho a questão. O que eu quero é saber a verdade, nada mais, sobre os factos (não de somenos) de interesse público que põem em causa a honorabilidade do homem e dos cargos que ocupa e ocupou na governação do meu país. Isso eu quero e tenho direito a saber, com dupla legitimidade, jornalista e cidadão. Mas atenção à ressalva: não preciso de ser jornalista para ter direito a essas respostas, mas o facto de o ser dá mais força e legitimidade às minhas perguntas, goste ou não o senhor Primeiro-Ministro desse facto, não passível de discussão.
Eu cá pensava que isto era óbvio para toda a gente mais ou menos informada, um dado adquirido para todos aqueles que de berço aprendem a democracia e ainda mais, melhor: uma regra pacífica para aqueles que supostamente ensinam a democracia, pela prática, ao povo que os elegeu. Esses mesmos que na hora do discurso inflamado nos repetem que a democracia é um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana, que é a institucionalização da liberdade. E que tem como função principal a protecção dos direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão, por exemplo. Aparentemente pareço enganado no que toca a José Sócrates. E é muito o que lhe toca e se lhe agarra, convenhamos, demasiado para se auto-explicar como tricas de lana caprina, diz-que-disse do costume. Afinal, para moça púdica, recatada donzela, o senhor Primeiro-Ministro já foi bastas vezes apanhado de saias ao léu, pelo menos, para não dizer de mão na coisa ou com coisa na mão que não era suposto lá estar, como aquele cartãozinho político lá pelo meio do curso de engenharia, por exemplo (triste). Ou os projectos malaicos da Guarda, cidade/prova viva da engenharia habilidosa da sua habilidade em engenharia. Ou o seu património pessoal que de facto desabrochou do nada quando se desconhece ao dinheiro capacidades hermafroditas de reprodução e escasseiam explicações alternativas. Ou o estranho, estranho caso Cova da Beira. Ou ainda o caso do momento, razão do alarido, aquele processo de licenciamento do Freeport que só a julgar pelo já provado e assumido até, tresanda a favor, pago ou não pago, e a história mal contada.
Gostará o senhor Primeiro Ministro que se digam estas coisas ou não, é um seu direito que ninguém nega. Sempre recordando, porém, que não foi propriamente na ponta de sabre que Sócrates chegou ao poder, empurrado porque não queria, não queria, por favor não. Pois se agora é Primeiro-Ministro de Portugal fará então a fineza de se prestar a esclarecer estas minudências que envolvem negociatas suspeitas no mínimo, porque no máximo serão tão corruptas quanto cheiram à distância. E quando é uma parada dessas que está em jogo, aqui ou no Botswana, eu digo que se lixe a prosápia do político e que se esprema a verdade ao servidor público, o mesmo que pediu votos de porta em porta exigindo e contabilizando a presença da mesma comunicação social que agora vitupera e processa criminalmente porque não diz o que mais lhe agradaria, num tique de ditador que me arranca a pergunta, socrática, esta e não outra: então e ao Primeiro-Ministro de Portugal, saltou a tampa ou caiu a máscara?