Cavaco, doce metáfora
Cavaco Silva está hoje em Aveiro, 'terras de ovos moles mas gente rija', como definiu um Presidente bem disposto e finalmente desenvolto no papel de estrela da companhia. Ontem esteve no Jardim Zoológico, que fazia anos, e aí fez questão de partilhar com a comitiva aquela determinada vez, em África, em que esteve rodeado por uma manada de búfalos, o perigo da situação, o que ele disse, o que disse D.Maria, o que fizeram os dois, enfim, todos os detalhes da aventura na savana servidos ao país em tom de memória de avô. E hoje seguiu afoito, explicando a quem o escutava em Aveiro, devagar e com gestos, que 'a hóstia que recebe os ovos moles tem de ser cortada a direito', qual pai-nosso que pacientemente se ensina ao cura. E a assistência bateu palmas, o que é costume, mas com prazer, o que já não acontece tantas vezes, reconheça-se. Cavaco esteve bem.
Pois eu que ainda sou do tempo do Almirante da primavera, eu que em liberdade já os vi com e sem monóculo, sisudos a fazer piscinas no palácio, risonhos a palhaçar em cima de uma tartaruga ou simplesmente soporíferos com os seus discursos, eu que me lembro do Cavaco da Figueira da Foz e que daí para cá tanto escrevi sobre a sua manifesta falta de jeito para abrir a boca, com ou sem bolo-rei lá dentro, não posso em consciência deixar de tirar o chapéu a este homem novo que aparece a viver um estado de graça para o qual muito andou e trabalhou, reconheça-se. Não gosto mais, não gosto menos, penso igual do político e das suas ideias. Mas lá que Aníbal Cavaco Silva é hoje um caso ímpar no panorama dos servidores públicos e da política nacional, isso é algo que reconheço sem esforço e até com algum prazer, na doce metáfora: uma espécie de hóstia, entre ovos moles, para cortar a direito, será?