Coitadinhos dos analfabetos
Ontem pensei na tristeza que deve ser alguém não saber ler, na imensidade de informação de que essas pessoas ficam privadas à conta dessa insuficiência. Tudo isso porque de repente olhei para a televisão onde passava mais uma manifestação de gente exaltada, espumando e vociferando, de cabeça perdida e aos empurrões, punhos no ar, soltando gritos e ofensas, chamando ‘aldrabão’ e ‘mentiroso’ ao primeiro-ministro José Sócrates, a quem tratavam por tu e atiravam chapéus.
E eu fiquei ali a ver toda aquela rotina do insulto, aquela multidão descontrolada e em fúria, as expressões congestionadas de ódio, todo aquele vómito de raiva contida a custo e à força pela polícia, quando finalmente apareceu a bendita legenda a explicar que aqueles também eram polícias, estavam era a protestar na rua enquanto classe profissional. Foi quando eu me lembrei dos analfabetos, coitadinhos, que não podiam ler aquela legenda e assim ficavam para sempre a pensar que se tratava de mais uma manifestação de energúmenos capazes de destruir tudo à sua passagem e incendiar carros e partir montras e saquear cidades e agredir pessoas só porque estão com raiva e zangados com o governo. Porque normalmente os polícias são os outros, as forças da ordem, os do outro lado, é compreensível o equívoco. Mas a legenda ali estava para pôr tudo no seu lugar, os bons e os maus, explicando quem era quem naquelas imagens de desordem. Daí a minha angústia, esta minha preocupação com os analfabetos. Pois se eu próprio tive cá as minhas dificuldades em perceber a diferença, quem não leu não ficou a saber com toda a certeza.