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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

08
Ago09

O último dos maganos

Rui Vasco Neto

Já não há talento ao vivo, para nos encantar com novas criações, vindo desse trio de ases que me ensinou a arte da televisão ao mostrar como se fazia tão bem o Zip-Zip, como se conduzia um público pela comunicação, do riso à lágrima, do silêncio à gargalhada, para descomprimir,  até à explosão final num enorme aplauso, minutos de pé, tudo à conta de uma genuína intuição de berço, ainda Portugal era a preto e branco e as vedetas de televisão uma escassa meia dúzia de pioneiros. Tudo mudou na arte, dessa altura para cá, e muita da mudança se terá ficado a dever ao talento desse trio famoso e singular. Trio apenas lendário, daqui para a frente, pois dos tais três que vos falo um já tinha morrido e outro vivia morto quando hoje o terceiro se foi e a notícia se soube: morreu Raul Solnado. Não, não era para rir, desta vez.

 

O meu mundo ficou mais pobre, é certo, o pessoal e o profissional. Portugal ficou órfão, órfão de pai na sua cultura, no seu humor, esse humor que tanta vez nos arrasta, carrega em ombros e obriga a galgar os dias, tudo por umas palminhas, às vezes quando a sopa é água e os afectos tão escassos e miseráveis, tanta, tanta vez... Raul Solnado era um senhor que tinha graça, muita graça, não era um comediante. Era um de nós e sabia ser todos, mimava qualquer de nós com uma mestria única de grande senhor do povo. Eu perdi uma referência, lamentavelmente mais do que um amigo, que tanto nunca fiz por merecer, não tenho pretensões. Mas tínhamos uma ligação cúmplice, há mais de vinte anos, com ponto de apoio num local muito especial, quatro paredes com história na história da vida do Raul: a casa onde ele nasceu, em plena Madragoa, aquele terceiro andar ao Pasteleiro onde há quase oitenta anos abriu os olhos e iniciou esta caminhada que hoje teve um final meramente físico, apenas material. A casa mudou; há muitos, muitos anos que vem sendo o atelier do pintor Silva Palmeira, um amigo comum. Por isso sempre que nos encontrávamos a conversa era inevitável, as suas memórias do Pasteleiro subiam à partilha com aquela emoção inconfundível no Raul, aquela voz embargada, o embalo da gaguez, aquele brilhozinho nos olhos que piscavam, piscavam, piscavam muito, piscavam sempre, como quem pisca o olho à vida, para que esta lhe faça o favor de ser feliz. Simplesmente feliz.

 

Ausentou-se hoje, o Raul. Foi-se do nosso convívio, da festa da vida, dos palcos e dos bastidores, dos copos e das paixões. Nunca do meu coração.

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