A opinião sem delito
'Delito de opinião' é para mim um daqueles blogues de visita habitual, por lá concordo e discordo em proporção que desconheço e que pouco ou nada importa na circunstância, faz de resto parte do encanto, até. O que realmente importa aqui é a viagem, são sobretudo os pequenos pormenores que se descobrem no caminho, como este esgrimir de argumentos sobre o Acordo Ortográfico que se pode (e deve) ler aqui, na íntegra, mas que, pela importância do tema e dos argumentos terçados, não resisto a transcrever, só um pequeno mas pedagógico excerto deste pequeno mas pedagógico desacordo sobre o acordo. Absolutamente imperdível, digo eu.
De VSC a 19 de Junho de 2011 às 19:05
De Laura Ramos a 19 de Junho de 2011 às 22:31
Creio que há por aqui qualquer coisa que não bate certo, a não ser que se considere que o Inglês e o Francês são línguas pouco actuais, que não evoluíram, ao contrário do português da América do Sul, que sofreu "evoluções" a golpe de decreto.
Passemos ao ponto 2. Simplificação da aprendizagem? É um intento que poderia prosseguido por Viana, que começou a delapidar a língua em 1904. Hoje, sabe-se, até pelas imagens do cérebro de crianças enquanto olham para palavras que ainda não conhecem que a palavra é apreendida no seu todo: ter 3 ou 6 letras é rigorosamente a mesma coisa, «cmoo se porav fmiaclnte» O Zimbabué, que usa o horroroso inglês, tem um índice de alfabetização bastante superior ao do Brasil - que está "atualizado" há 80 anos - isto se a actualização consiste afinal em estropiar palavras.
Ora, ponto 3- Unificação . Unificação com grafias facultativas? com grafias duplas? Que dizem os profs? "Os negociadores do Acordo autorizam duplas ou múltiplas grafias no interior de cada país, com base num critério da pronúncia, que em nenhuma língua pode ser tomado como propriedade identificadora dum sistema linguístico e da(s) sua(s) respectiva(s) norma(s) nacionais, mas sempre e apenas de uma sua variedade dialectal ou social" (Doutora Inês Duarte, professora catedrática de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa); e outro professor catedrático da Universidade de Lisboa, Doutor João Andrade Peres: «dois alunos portugueses, em Portugal (ou brasileiros, no Brasil, etc.), sentados lado a lado, ou dois professores em salas contíguas seriam livres de usar a seu bel-prazer as grafias alternativas. Em última análise, é deixada ao livre arbítrio de cada cidadão a escolha da grafia, pondo-se em causa a função da língua escrita como factor de coesão social». É a unificação no seu esplendor!
O inglês da América é diferente do de Inglaterra e os dois países nunca fizeram questão de celebrarem acordos ortográficos (creio, até, que seria difícil explicar-lhes o que isso seja! A verdade é que o inglês está fixado desde o séc. XVII e a nível de imprensa norte-americana, desde 1800 e poucos. É que a ortografia mantêm-se e não se degrada quando os falantes e escreventes têm acesso à norma (escolarização, hábitos culturais, etc). A «evolução ortográfica» a mata-cavalos é uma ideia da propaganda dos acordistas que conta com a nossa ignorância e medo provinciano de estar desactualizado...
«Empowerment», diz? Gostava que me desse uma ideia daquilo em que concretamente consistiria. O facto de em Portugal se começarem a escrever os nomes dos meses com letra pequena irá fazer o quê? Que milhares de pessoas de repente comecem a aprender portugues, ou desatem a ler Frei Luís de Sousa?
Quanto às edições únicas, temos, desde logo, as duplas grafias. Qual seria a utilizada? Isto para não falar já da diferença lexical e da maior ainda diferença sintáctica. Isto para não dizer que são as editoras que se devem adaptar à língua e não a língua às editoras.
Não vejo, por isso, qualquer argumento sólido - e mil vezes melhor do que eu poderia responder um especialista.
Além de tudo isto há alguns outros aspectos importantes e inquietadores: o modo como foram ignorados os pareceres negativos de organismos oficiais portugueses, a barreira à discussão efectiva da questão, a falta de democraticidade, o autoritarismo, a leviandade com que se tem procedido, a falta de respeito por algo de tão complexo quanto é a nossa língua materna e que deveria incomodar profundamente todos ( e incomoda: há centenas de milhares de portugueses, dos 16 aos 90 anos que protestam activamente. Não é um assunto de «séniores»: felizmente, cada vez mais se pensa como Fernando Pessoa que chamou crime à "reforma" de 1911.
Sem mais, adianto-lhe esta demonstração simplista e simbólica da minha discordância: considero absurda e inútil uma alteração ortográfica que, em nome da unificação (?), me obriga a escrever infeção ", quando os brasileiros continuam a deter a ortografia pré-acordo, "infecção". E que me obriga a escrever Egito " e a denominar os seus oriundos de "egípcios". A célebre queda das consoantes mudas ou sonoras, consoante as pronúncias...
A legitimidade reformista que plasma a aproximação da ortografia à fonética sempre teve opositores, sabe bem disso. Mas tem vencido... (e, que me lembre, na minha vida já passei por 2 alterações).
O linguista Herculano de Carvalho (UC) chegava ao ponto de dizer, nos anos 60/70, que a forma correcta de pronunciar e/ou escrever era pura e simplesmente aquela que o falante adoptasse, em seu bom modismo. Isto é: ordem para regressar à confusão de 500... quando o português se escrevia conforme a cada um aprouvesse (o que dava um jeito enorme... mesmo que as consequências não fossem grandes, dado que a aprendizagem era privilégio restrito).
Quanto ao facto de o valor da actualização da escrita não ser importante, não concordo. Claro que é, e não considero que depaupere a língua. Senão, ainda escreveríamos saüdade ", mãi " pharmacia " e outras coisas, bem bonitas, por sinal, mas que agora parecem não fazer sentido. E se não fazem...
Como vê, não sou especialista nesta matéria. A minha opinião é de leiga, mas de leiga portuguesa.
Coisa muito diferente, contudo, é aferir a competência, ou não, de um SE, consoante ele é ou não a favor do AO.
E dizer que não assistem argumentos substanciais a ambas as partes.
Qualquer AO suscitou contraditório: basta ler os documentos, expurgados da espuma dos dias.
http:/ www.portaldalinguaportuguesa.org / action =acordo.
Saüdações blogosphehricas.
Se em Portugal se escrevesse pharmácia estaríamos em consonância com duas línguas de dois países cultos. Ou será que os idiomas ingles e francês estão «desactualizados» em relação ao português do Brasil? É essa a referência?
Hoje sabe-se que o crime de 1911 - assim lhe chamou Fernando Pessoa, que fez alguma coisa pela Língua portuguesa -, não compensou, assim como as modificações mais radicais do Brasil, em 1929: com Portugal, é um caso de país com altas taxas de analfabetismo e iliteracia.
Não há por isso, qualquer "actualização": o «acordo» traduz-se, para o Português de Portugal, no abandono da tradição ortográfica das línguas cultas europeias para passar a obedecer ao que os «acadêmicos» brasileiros, traduzindo mal do pensamento francês do séc. XIX e em nome de doutrinas e teorias à época já serôdias, impuseram aos brasileiros nos anos 30 do século passado. Querer impor essa ortografia ao Portugal de hoje, não é «actualização», mas a aceitação de um mero provincianismo nacionalista de... outro estado (Vd. REFORMA ORTOGRÁFICA E NACIONALISMO LINGÜÍSTICO NO BRASIL http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5(15)58-67.html)
Quanto ao que acrescenta: "pharmacie, pharmacy"
(e abstraindo da suma questão "quem imitou quem?"... ... virá do tempo da colonização francesa da corte de Orange... não virá?...), tenho simpatia pela ideia da coincidência gráfica, mas mais nada. Quem sabe, serei eu já um produto degenerado das sucessivas reformas, hélas... (mas tive latim, o que me ajuda a ver mais claro).
E sabe? Nem me faltam as referências geracionais e afectivas: sou uma cultora empedernida do francês (era o que estava a dar na minha geração), agora reconvertida em escrava adaptada à ditadura do inglês. Mas nem por isso me comove a perda das formas aproximadas das ditas línguas evoluídas e cultas, tais como "effeito", "bello","sceptro", "fructo" e "signal"...
Finalmente (e finalmente, mesmo!) não acho que o umbiguismo europeu seja assim tão fantástico. Tendo a valorizá-lo, confesso, mas com reservas.
Quer um exemplo? Não faz qualquer sentido, hoje em dia,
fazer equivaler o peso do francês ao do português, simplesmente porque a balança se inverteu e a nossa língua é, hoje em dia, infinitamente mais importante e competitiva. A francofonia é uma força decadente (e acredite que tenho pena). Lá vai mantendo pergaminhos porque é uma das línguas fundadoras da velha CEE, e dos corredores da diplomacia, mas pouco mais do que isso. Uns enclaves em África e na América...e nada mais.
Mantenhamo-nos alerta, em todos os sentidos da questão: nem aculturação, nem monolitismo.
E há inexplicáveis silêncios desde logo sobre os pareceres oficiais negativos que fora ignorados sem explicação.
Quanto às competencias que são poderes para prosseguir fins: podendo serem estes incompatíveis com outros idênticos do Brasil, tenho a maior das apreensões, dado o que transcrevi. «O Brasil tomou a dianteira?» Em quê? Haja pudor!
Penso, sinceramente, que para além do tédio que o assunto provocava, ninguém acreditava verdadeiramente que o AO fosse avante.
- Irá?
Dura lex, sed lex.
Espero pelo seu forum, VSC. Até lá.