Vidas Borralheiras

No que toca a beber, viver na aldeia não é muito diferente de viver em Madrid ou Estocolmo. Quem se embebeda por ritual vive no balcão onde se enfrasca e em mais lado nenhum. Se e como chega a casa depois é outra questão. O verdadeiro assunto não é bem onde bebe quem, mas sim quem bebe onde. Nos fundos do tal país real das campanhas eleitorais, de norte a sul, as noites de verão e de inverno são passadas entre copos e amigos e nem sempre ao mesmo tempo. O álcool é hábito e é problema em Portugal, todos os dias e todas as noites. Não para toda a gente, claro. Mas para gente a mais e com valorização a menos por parte de um Estado que semicerra os olhos num esgar maroto de quem acha que é tudo tradição e convívio. Em contrapartida, a cultura é já mais problema do que hábito para o povo deste mesmo Estado que nisso tem os olhos mais que abertos. Está é a olhar demasiado para cima e pouco para baixo.
De sábado para domingo passado, numa noite igual a todas as outras em Borralheira de Orjais, Covilhã, uma meia dúzia de homens esteve a beber, a rir e a contar estórias antigas, daquelas que se contam mil vezes para rir sempre, assim não falte o copo de tinto para molhar a palavra. Um deles ocupava o honroso cargo de bombo da festa por tradição privada do grupo. Embora fosse sistematicamente abusado pelos outros, nunca tinha acontecido nada, jura o povo.
E de facto ele continuava vivo no sábado, quando entrou para os copos do costume. Nessa noite a malta bebeu e bebeu e fartou-se de rir, pá, foi porreiro. Quando o dia raiou a malta já tinha ido toda para casa. O café ficou fechado, as paredes ficaram mijadas, trinta garrafas ficaram no chão e o Zé Inácio ficou com uma perna atada ao pneu de um carro e pendurado por um braço ao placard da Junta de Freguesia onde se anunciam as mortes da aldeia e os editais, pá. De manhã estava morto, afogado em álcool, que o gajo era asmático. É pá, foi uma ganda noite.