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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

30
Out07

Vidas Borralheiras

Rui Vasco Neto
Para a grande maioria das pessoas são os rituais que fazem a vida. Dia após dia fazem-se as mesmas coisas, repetem-se gestos e hábitos até já mal se distinguirem uns dos outros. E a vida vai passando, melhor, pior, mas igual na essência. É assim na cidade e no campo, na capital e na aldeia. Depois há é rituais e rituais, mas isso é outra conversa. A escolha já passa a depender das opções disponíveis, do dinheiro, da vontade e do gosto de cada um. E da cultura, acima de tudo da cultura. De todos, do indivíduo e do meio onde vive.

No que toca a beber, viver na aldeia não é muito diferente de viver em Madrid ou Estocolmo. Quem se embebeda por ritual vive no balcão onde se enfrasca e em mais lado nenhum. Se e como chega a casa depois é outra questão. O verdadeiro assunto não é bem onde bebe quem, mas sim quem bebe onde. Nos fundos do tal país real das campanhas eleitorais, de norte a sul, as noites de verão e de inverno são passadas entre copos e amigos e nem sempre ao mesmo tempo. O álcool é hábito e é problema em Portugal, todos os dias e todas as noites. Não para toda a gente, claro. Mas para gente a mais e com valorização a menos por parte de um Estado que semicerra os olhos num esgar maroto de quem acha que é tudo tradição e convívio. Em contrapartida, a cultura é já mais problema do que hábito para o povo deste mesmo Estado que nisso tem os olhos mais que abertos. Está é a olhar demasiado para cima e pouco para baixo.

De sábado para domingo passado, numa noite igual a todas as outras em Borralheira de Orjais, Covilhã, uma meia dúzia de homens esteve a beber, a rir e a contar estórias antigas, daquelas que se contam mil vezes para rir sempre, assim não falte o copo de tinto para molhar a palavra. Um deles ocupava o honroso cargo de bombo da festa por tradição privada do grupo. Embora fosse sistematicamente abusado pelos outros, nunca tinha acontecido nada, jura o povo.

E de facto ele continuava vivo no sábado, quando entrou para os copos do costume. Nessa noite a malta bebeu e bebeu e fartou-se de rir, pá, foi porreiro. Quando o dia raiou a malta já tinha ido toda para casa. O café ficou fechado, as paredes ficaram mijadas, trinta garrafas ficaram no chão e o Zé Inácio ficou com uma perna atada ao pneu de um carro e pendurado por um braço ao placard da Junta de Freguesia onde se anunciam as mortes da aldeia e os editais, pá. De manhã estava morto, afogado em álcool, que o gajo era asmático. É pá, foi uma ganda noite.

RVN
29
Out07

Uma questão de imagem

Rui Vasco Neto
Há imagens terríveis. Fotos, filmes, quadros, desenhos, imagens. Dispensam as palavras para contar as suas histórias. Registam a memória, imóvel no tempo que já passou. E num qualquer outro tempo, tempos e tempos passados, exibem a mesma história mesmo quando a História já a quis mudar. Estaline mandava retocar as fotos de grupo, sempre e de cada vez que mandava retocar uns amigos. Já Hitler queria a sua verdade intocável para sempre e fazia questão absoluta de guardar o horror dos outros em imagens de arquivo que eram o espelho da sua glória. O fascismo sempre primou pelas botas luzidias das suas convicções e pela ausência de rugas no vinco impecável da ordem pública.
É hoje asunto do dia a beatificação de 498 mártires espanhóis, mortos pelas forças republicanas no contexto que conduziu à Guerra Civil de Espanha (1936-39). Numa altura em que os espanhóis ainda acertam contas internas sobre aquele período da história, quer o quadro legal do Governo de Zapatero quer as beatificações do Vaticano só vêm reavivar as brasas.
Bento XVI bem apelou "à reconciliação e à coexistência pacífica", depois do cardeal Saraiva Martins ter ontem proclamado, na Praça de São Pedro, a beatificação dos 498 mártires. Mas as feridas ainda em aberto voltam a sangrar memória em Espanha e pingam na brancura do perdão papal. A poucos dias da entrada em vigor da Lei da Memória, destinada à reabilitação de vítimas da ditadura de Franco, esta iniciativa do Vaticano vem fazer renascer a discussão sobre o cariz político dos critérios utilizados. E sobre a bondade das escolhas que ficaram por fazer. Como as dos nomes de inúmeros sacerdotes católicos que terão morrido ás mãos dos franquistas na defesa dos ditreitos do povo basco, por exemplo. E no agitar das águas, vem à tona de tudo um pouco.


Há imagens terríveis. Fotos, filmes, quadros, desenhos, imagens. Dispensam as palavras para contar as suas histórias. É o caso desta foto, retrato acabado do amor ao próximo num abraço apertado entre a Igreja Católica e o Franquismo. Um retrato que não tem legenda. Mas que se tivesse uma, bem podia ser "se não queres vencê-los, junta-te a eles", uma máxima que a Igreja conhece bem. E muitos crentes a conheceram também, no decurso das guerras do século passado. Muitos deles tarde demais, só quando esbarravam nas portas fechadas da casa sempre aberta da fé cristã. E aí tombavam para sempre.

É certo que Cristo morreu descalço e quase nú. Mas os seus representantes na Terra, para além do brilho do ouro, é sabido serem igualmente apreciadores de uma bota bem engraxada e de uma batina sem rugas, para vestir quando são chamados a enfeitar as fotos do poder político. De qualquer poder político, diga-se. No abraço de sempre que sempre condiz com a ordem pública. Uma questão de imagem, seguramente. Que como toda a gente sabe, vale mil palavras.


RVN
28
Out07

Chapeladas e um corno

Rui Vasco Neto
José Torres está doente. E a morrer. Eu não sabia. Quem é o José Torres? Tem razão, há muitos. Este é o Torres que já não é figura pública vai para uma ou duas gerações, pelo menos. Mas que foi grande no seu tempo, em nome e em altura. Era o cabeceador por excelência da selecção nacional pré-Figo & Cia, o jogador do Benfica pré-ordenados milionários e contratações das arábias, o que tabelava com Zé Augusto, Coluna e Eusébio, entre outros. Esse mesmo.

Jogava-se quase a feijões no tempo do Torres. Eusébio que o diga. E diz. Não é preciso dizer quem é o Eusébio, pois não? Pois é. Também não devia ser preciso dizer quem é o José Torres.

Para o 'mundo do futebol', essa pasta viscosa de interesses que faz mexer as pernas de toda a gente, (jogadores para jogar e público para ver), José Torres deveria ser conhecido. E reconhecido, já agora. Nas clássicas mariscadas dos donos da bola, enquanto chupam os dedos sujos de camarão, os homens do futebol não falam de Torres mais do que falaram de Vitor Batista, que já lá está, enterrado por outro coveiro que não ele próprio, no mesmo cemitério onde trabalhou os últimos miseráveis anos. A malta é solidária mas não é parva, não senhor. Elogios a estralejar é uma coisa. Pagar é outro verbo. E ajudar é palavrão.

Quando se recorda com emoção os cinco violinos, mais o Pinga, mais os Eusébios que nunca chegaram a ser reis e se chama 'velhas glórias' aos ídolos do futebol de outros tempos, com a voz embargada pela comoção e o copo estendido ao brinde, era de toda a justiça que as bocas encortiçassem aos que o fazem tendo responsabilidades clubísticas e federativas. Exactamente, encortiçassem. Sabem como é? Acontece quando a gente come muitos figos, ou quando exageramos no camarão. Aquela sensação de ardor e fogo amargo que nos queima o palato e não nos deixa apreciar bons vinhos, como aqueles que foram leiloados hoje em Santarém numa iniciativa particular de solidariedade para com José Torres, velha e doente glória do futebol nacional.
A generosidade do povo rendeu mil e quinhentos euros para ajudar às contas do hospital. Bem mais do que a generosidade dos donos da bola e do Estado português, pessoal do discurso fácil e emotivo. Essa e esses, desde que José Torres calçou as botas e até hoje, rendeu-lhe e renderam-lhe o mesmo de sempre. Chapeladas, um corno e metade de outro.
RVN



28
Out07

O fado d' Amália

Rui Vasco Neto
Esta senhora chama-se Amália Morgado. É juiza, ex-presidente do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto e actualmente a exercer funções no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, para onde pediu transferência. Os motivos dessa transferência foram assunto de uma entrevista da juiza publicada no JN em Setembro passado e dizem respeito a alegados casos de corrupção supostamente ocorridos no âmbito do Ministério Público (MP) do Porto.

Foi Amália Morgado quem enviou uma participação ao procurador-geral da República, Pinto Monteiro, sobre factos que lhe suscitaram dúvidas no âmbito de um processo em que Carolina Salgado, ex-companheira do presidente do F. C. Porto, Pinto da Costa, acabaria por ser acusada pelo MP por autoria moral dos crimes de incêndio e de ofensa à integridade física grave qualificada.

Na entrevista, a magistrada teceu várias críticas a procedimentos do MP e da Polícia Judiciária, no que toca a escutas telefónicas, bem como a colegas juízes, sobre quem denunciou utilizarem formulários pré-existentes e completados por funcionários judiciais com os nomes dos arguidos, para terem menos trabalho na elaboração de despachos judiciais.
A directora do DIAP do Porto, Hortênsia Calçada, leu e enviou uma participação para o Conselho Superior de Magistratura sobre a entrevista. Para além disso, a denúncia de Amália Morgado está entre o conjunto de casos sob averiguação pela Procuradoria Geral da República, como as declarações da irmã de Carolina que comprometiam Maria José Morgado e um inspector da PJ encarregue da investigação Apito Dourado.
Amália Morgado já foi ouvida por um inspector judicial. Agora, três coisas podem acontecer. A denúncia assumida de uma juiza presidente do TIC sobre deficiências graves e corrupção no sistema judicial a que pertence pode resultar em inquérito ordenado pelo CSM. Ou pode resultar num processo disciplinar contra Amália Morgado por ter aberto a boca para além do desenho dos lábios.
Resta uma terceira hipótese aos superiores conselheiros de toda a magistratura. Podem mandar arquivar a denúncia, mais a denúncia da denúncia e mais os próprios factos, tudo por baixo de quatro camadas de jurisprudência pesquisada nas colectâneas, num desvio para canto a toque de calcanhar. E todos viveremos felizes para sempre. Aceitam-se apostas sobre o que vai acontecer.
RVN

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