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Qual é a diferença entre uma opinião de peso e um palpite bem ou mal intencionado? A primeira tem elevadas probabilidades de acerto e assenta em bases sólidas de ciência e conhecimento, enquanto que o palpite tem andaimes de aparência, cargo, simpatia, tom de voz ou cor de gravata e pode até acertar uma vez por outra, tudo pode acontecer. Ou seja: um tolo
fashion bate aos pontos um perito andrajoso, é a moral da história. Mas eu aposto que até qualquer benfiquista, se em risco de vida, quer é que o médico seja competente seja ele sócio do Porto ou não (embora ás vezes chegue a duvidar do inverso. acreditam?!). Enfim.
Vem esta arenga a propósito desta história das linhas de muito alta tensão (MAT) que anda a deixar o país em estado de choque. Hoje mesmo o DN dá voz a mais um coro de meias explicações titubeadas pela segunda linha de responsáveis da Rede Eléctrica Nacional (REN) que se queixam, coitados, que enterrar as linhas MAT «custaria pelo menos o dobro», sendo que não existe em Portugal o enquadramento legal que defina as condições legais e técnicas a que teria de obedecer um eventual enterramento de linhas. E mais: ao contrário do que acontece com as redes de gás ou telecomunicações, não há uma lei que estabeleça as características da servidão do terreno, compensações ao proprietários privados e eventuais restrições ao uso da área. Cá está. Isto é uma opinião de peso. Técnicos de uma empresa investigaram os custos de um novo projecto empresarial e opinaram enquanto peritos. Eles lá sabem. Eu acredito. Enterrar as linhas custa comprovadamente mais caro que deixá-las como estão. Só que o assunto é outro. Quer-me parecer que os portugueses vizinhos da linhas MAT se estão bem nas tintas para as despesas da REN, quando o que está na mesa é um possível risco sério para a saúde pública. Eles, lá, sabem?
Bem, o senhor Ministro do Ambiente já veio dizer coisas sobre o assunto. Nunes Correia foi lapidar. Defendeu ser «claramente maioritária» a opinião dos especialistas que «recusam o impacto na saúde» das linhas MAT, mas avisou que o Governo «tem de estar atento» às opiniões contrárias. E assim deixou todos contentes e lá foi governar Portugal. Quem lhe ouviu a voz firme e viu o olhar decidido na televisão não teve dúvidas. Eles lá sabem. Alguma vez era possível uma coisa dessas ser perigosa e o governo deixar? O povo é sereno, ainda e sempre. E eles lá sabem.
Estava a coisa neste pé, opinião para cá, palpite para lá, mais disparate menos asneira, o Supremo Tribunal Administrativo a proibir e eles lá sabem, a linha Fanhões/Trajouce a continuar a funcionar e eles, lá, a saberem, enfim, tudo e todos na expectativa de um parecer credível, quando eis que surge a peça que faltava. José Penedos, o presidente da empresa dos 'eles' que disseram que custava o dobro enterrar os cabos, vem a público dizer que não faz mal tê-los no ar. Dizer não, garantir. O presidente da REN foi taxativo: «Não há prova científica que fundamente o pavor generalizado» em relação aos postes MAT colocados um pouco por todo o país. Diz ele que «nenhum estudo conseguiu, ao fim de anos de investigação, estabelecer a relação causa-efeito» e aponta a prática internacional para desfazer as dúvidas.
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Mas a suprema garantia de José Penedos é outra. Ele que sabe, jura a pés juntos que não se importaria nadinha de viver perto de uma linha MAT. Não, não senhor: ele, que sabe, não vive perto de nenhuma, Deus nos livre, por acaso até não. Mas diz que não se importava nada de lá viver. «Não me sentiria ameaçado. Digo-o com a ciência de quem vive no ambiente da electricidade há muitos anos. Não há perigo», garante o presidente da REN. Eles lá, sabem. Nós é que não. Mas queremos saber, precisamos desesperadamente saber. O que nos remete para a tal questão da diferença entre opinião de peso e palpite, tolos e peritos, Benfica e Porto. Este senhor deve saber o que diz. Saberá mesmo? É normal que eles lá saibam. A proximidade de linhas de muito alta tensão pode originar cancro? Ele diz que não, garante que não, jura que não. Ele lá sabe. É um parecer científico? Tem 'a ciência de quem vive no ambiente da electricidade há muitos anos'. Ah, bom, assim é outra coisa. Não se fala mais nisso.
RVN