Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

More than meets the eye

Sete Vidas Como os gatos

29
Dez07

Os foguetes antes da festa

Rui Vasco Neto
O líder do PSD foi passsar o ano à Madeira. Como não é parvo, passou primeiro a mão no lombo de Jardim, que passa assim a contar com mais um jaime nos ramos da sua árvore surrealógica. Só depois passou a porta do avião. A coisa passou-se hoje. Passemos às palavras.

«Vamos cerrar fileiras com o PSD/Madeira, na defesa do movimento reformista de aprofundamento da autonomia e, no curto prazo, combatendo contra o inadmissível garrote orçamental que estão a procurar impor à região», disse o douto Luís ao Jornal da Madeira. É meia abertura, convenhamos. «A atitude do Governo da República em relação à Madeira é lamentável, mas na esteira do seu imenso apetite de poder absoluto». Estão criadas as condições. Prevejo o primeiro sucesso de vendas do JM desde que Alberto João começou a mandar no director. Quando foi isso? Ora, nem eu nem ninguém já se lembra. Digamos que foi há bué.

Luís Filipe Menezes, que chega hoje ao Funchal para a passagem de ano, em visita particular, desvenda ainda que «vai continuar a trabalhar, irrepreensivelmente com o presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim». Fala do PSD-M, também, embora com memória de duvidoso acerto. «O PSD regional da Madeira sempre foi um exemplo de solidariedade institucional». Enfim, pode ser outro. «O partido na Madeira saberá, sob a liderança de Alberto João Jardim, encontrar o momento e o enquadramento ideal para uma transição». Ah, bom. E concretamente? «Alguém com a experiência e o ´curriculum` de Alberto João Jardim poderá ser sempre, de acordo com a sua vontade, útil à região, e ao País. No seio do PSD será sempre uma mais valia» OK. Está tudo bem. Vai correr tudo bem. Temos reveillon.

Como em qualquer espectáculo de fogo de artifício, também este termina em
apoteose com uma daquelas rosetas de mil cores que explodem o céu em pingos de luz. Uma daquelas coisas que a gente vê e não esquece. Olhando para si próprio e para a sua liderança, o líder só viu luz: «O PSD conseguiu voltar a liderar o debate político, obrigando o Governo e o PS a reagir».

"Through the eyes of love", cantava Ray Charles nos idos de 72. Mas Ray era cego, só via as coisas assim.
28
Dez07

Preocupações

Rui Vasco Neto
E pronto. Mais três diazitos e acaba-se o ano, mais um ano, ainda este ano. É a tarefa de uma vida, esta. Anda uma pessoa a juntar laboriosamente os dias, um após o outro, a arrumá-los em semanas e meses, a separá-los por lãs e malhinhas, abafos e calções, a esconder os mais gastos e coçados pelo uso, a dobrar os longos, a guardar os que nos foram oferecidos, a esquecer os piores, a emoldurar os melhores, tudo para encaixotar a existência em anuários de lombada grossa com trezentas e sessenta e cinco folhas cada um. Mais três dias e lá vai outro para a prateleira. Estou tranquilo, por isso. Estou no prazo.

As minhas preocupações são outras, neste bintóito decembrino. Ando a cismar com o diacho da biblioteca em si. Com o estado da coisa, se é que me faço entender. Afinal, carrego esta tralha toda desde que me lembro de mim, sempre de um lado para o outro e cada ano mais atestada de livros. E nem sempre nas melhores condições atmosféricas, convenhamos. Aparentemente continua tudo sólido, mas nunca se sabe. Corro prateleira a prateleira e vou detectando umas lascas no verniz, coisitas pequenas, uma mossa ou outra, uns pregos cravados mas disfarçados, arranhões, falhas, alguns primeiros sinais de caruncho, aqui e ali. As dobradiças rangem um pouco. O peso vai-se notando. Fico preocupado, claro que fico preocupado. É que ponho-me a olhar para aquela livralhada toda e palavra de honra: só penso que se alguma coisa dá para o torto, não tenho um armazém de jeito onde a guardar.
28
Dez07

Bom dia. Hoje o crime compensa.

Rui Vasco Neto
27
Dez07

O Protesto do Burrinho

Rui Vasco Neto
O conto de Natal era a história de uma criança que escrevera um pedido ao Menino Jesus, e terminava assim: “Não vou pôr na chaminé nem sapato nem meia. Só um papel em branco, para que deixes lá uma palavra para eu usar como quiser, a palavra «de». E assim eu posso escrever que Tu és o Menino Jesus e eu sou um menino de Jesus.” Era um hábito antigo de Félix, poema, crónica ou conto, presença para si obrigatória na edição especial. Mas, nesse ano, as coisas haviam mudado. O director disse-lhe que não haveria edição especial. Nada de meninas pobres sem bonecas, nem de meninos a sonhar com uma bola de futebol, ou de poemas a rimar “luz” com “Jesus” sem uma gota de talento. O jornal ficava muito mais caro e a publicidade não compensava.

Tentou demovê-lo, mas em vão. Era o único jornal da cidade, não perderia assinantes por causa disso. E quase ninguém lia aquela ladainha de lamúrias sobre a condição dos pobres, ou os louvores ao Menino, a Sua Mãe e a São José. Perguntou se era palavra definitiva. “ Está decidido.” Félix desejou boas festas, e desligou o telefone. Nesse momento, o burrinho de barro escorregou das mãos da filha que se esticara para o pôr dentro da gruta, e partiu-se. Ela chorou. A mãe disse que no dia seguinte comprariam outro.

Na loja, a vendedora estranhou. “O seu também se partiu?” Sim, partira-se, mas que é que isso tinha de especial? “Já vendi umas duas dúzias deles hoje, e todos porque se partiram.” Não havia nada para admirar nesse facto, porque se faziam centenas de presépios na cidade, e sempre se quebrava uma ou outra figura, não seria verdade? “O que eu admiro é que ninguém apareceu a pedir um boi, um anjo, um São José, uma Nossa Senhora, um mago... Só burrinhos. Tenho de mandar buscar mais.” Ao chegarem a casa, a menina escorregou na escada e fez-se em cacos também aquele... “Não chores. Voltamos já à loja, meu amor.” Voltaram. A vendedora perguntou: “Vêm comprar outro?” Era. “Já vendi os últimos.” Mãe e filha estranharam agora ainda mais a coincidência. Talvez aqueles burrinhos fossem de barro muito frágil, deveria ser defeito de fabrico. Não era, garantia a vendedora. “E eles só ontem é que começaram a partir-se. Já veio gente aqui comprar um pela segunda e pela terceira vez. Amanhã teremos mais.”

Quando chegou a casa e soube do sucedido, Félix nem podia acreditar. Foi a casa de um vizinho, e perguntou se ele já armara o presépio. Não armara. “Se não fosse muita maçada, poderias mostrar-me o burro?” O vizinho ficou admirado com o pedido, mas foi buscar a caixa onde estavam guardados os bonecos. Ao entrar com ela na sala, um dos filhos apareceu correndo, a fugir do irmão, bateu-lhe no braço e a caixa caiu. Ouviu-se o ruído das figuras a fazerem-se em cacos. Os pequenos pararam a brincadeira e, aflitos, abriram a caixa para a inspeccionar. Tiraram os magos, intactos. Depois Nossa Senhora, São José e o Menino, sem uma beliscadura. Ao anjo não faltava nem uma ponta das asas. Todos os bonecos estavam inteiros, só o burrinho se esfanicara.

Ficou com poucas dúvidas. O burrinho do presépio arranjara aquela maneira de protestar contra a falta da edição especial. Foi ter com o director e contou-lhe o caso. Ele riu-se pensando tratar-se de brincadeira. Mas, perante a insistência e a convicção do amigo, resolveu mandar comprar um burrinho para mostrar como não o deixaria cair nem o boneco se partiria. Quando o tinha na mão, uma bola entrou pela janela e acertou em cheio no burrinho. “Coincidência”, disse. Foi ele mesmo buscar outro. Ouviu a vendedora falar dos muitos que se tinham partido. “Este não se partirá”. Pagou, pegou no boneco e, inesperadamente, espirrou, deixando cair mais aquele. Comprou mais um. Ia a sair a porta quando tropeçou no tapete, e, dessa vez, caíram ambos, ele e o burrinho. “Manda o conto. A edição especial há-de ser feita.”

E foi assim que o burrinho do presépio deu mais uma lição aos homens.

Daniel de Sá

27
Dez07

Daniel de Sá

Rui Vasco Neto
A primeira vez que olhei para o Daniel foi quando fomos apresentados por um amigo comum, ao tempo vizinho dos dois, na Lombinha da Maia, S.Miguel, Açores. Fiquei a saber que tinha óculos pretos e cabelos brancos, que era educado, escritor, poeta e boa gente. Mas a primeira vez que o vi foi tempos depois, horas quase mortas, no dia da maior procissão da freguesia, que passa sobre tapetes de flores colocadas no chão em desenhos de amor feitos pelas mãos de todos. Eu e ele lá andámos dobrados a desenhar flores mil, rabo apontado ao céu da Maia e coração mais leve que alguma vez me lembro ter tido, falando por mim. No fim da festa e antes da noite cada morador limpou o espaço de rua fronteiro à sua casa, como de costume, ano após ano. À hora que o vi, toda a gente se tinha já recolhido do frio e do chuvisco forte que caía. Eu corria para casa. Ele não. Com a mesma calma das suas manhãs de conversa no mirante da praia do porto, Daniel era o único que arrastava os grandes sacos pretos cheios das flores pisadas de cada vizinho para um monte comum. Sempre ficava a rua mais arrumada. Ele e uma senhora de preto, cada um curvado ao seu. Disse-me adeus como quem pede desculpa e eu acenei-lhe na volta um sorriso. Mas sem que ele soubesse, dizia-lhe olá cá dentro até hoje. Que querem? Eu sou como sou e ele, como é, todos os dias me confirma o acerto do palpite. É o que vos posso dizer do meu amigo Daniel.

Do escritor Daniel de Sá não me atrevo a falar. Falta-me a competência para tanto e sou escasso em conhecimento de tão vasto universo. O que sei e conheço deslumbra-me, mas são gostos. O que dele dizem e escrevem é o melhor, mas são palavras. O que ele quer que se saiba que é está aqui, dito pelo próprio, mais a lista de obras publicadas (por actualizar, sempre). Daniel de Sá é ainda colaborador residente do Aspirina B, onde já disfruta da melhor companhia que algum dia encontrará na blogosfera. Mas, inesgotável e generoso, entendeu que fosse Natal cá na casa e publica hoje a convite aquela que espero seja a primeira gota de um mar de palavras futuras. E isto é o que ele é.

Eu cá estou que nem posso, como imaginam. Mas entendi que não se estraga uma coisa destas com lamechices. Por isso me calo já.


Em baixo: "O Protesto do Burrinho".
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá.

27
Dez07

Musharraf cão

Rui Vasco Neto
A líder da oposição paquistanesa, Benazir Bhutto, morreu hoje de ferimentos sofridos num atentado suicida. Os seus apoiantes no hospital começaram aos gritos «Musharraf, cão» referindo-se ao Presidente paquistanês. Pelo menos 20 outras pessoas morreram na explosão que ocorreu à esquerda do local onde Bhutto se encontrava num comício com milhares de apoiantes.

Benazir Bhutto cumpriu dois mandatos como primeira-ministra do Paquistão entre 1988 e 1996 e tinha regressado a 18 de Outubro ao Paquistão após oito anos de exílio. O seu comício de boas vindas em Carachi foi alvo de um atentado suicida que matou dez pessoas e feriu cento e quarenta, tendo escapado à justa nessa ocasião. Fica a ilustração de Pedro Vieira, publicada aqui em 19 de Outubro passado. Profética, infelizmente. O caminho de Benazir terminou hoje, à uma e um quarto da tarde, hora de Lisboa. A tiro, um no pescoço, outro no peito.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Sete vidas mais uma: Pedro Bicudo

RTP, Açores

Sete vidas mais uma: Soledade Martinho Costa

Poema renascido

Arquivo

  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2012
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2011
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2010
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2009
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2008
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2007
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D