Açores porque sim.
Com o avô de vermelho ainda vou lidando, mas na parte do menino Jesus confesso algumas dificuldades. Não é por mal, antes pela ausência do bem. E pelo brilho das luzes, talvez, muito jingle bells e festa rija. Por isso me lembro tanto do sentir açoriano cada vez que o assunto é esta imensa aventura da fé dos homens no divino.
O outro lado da festa, por assim dizer.
Arrepia. Passam em baixo da minha janela, de noite e de dia, na chuva e no sol que acontecem à vez
Sereno ou aflito, o ser humano desde sempre dobrou o joelho á omnipresença de algo que foi descobrindo á sua custa não conseguir compreender, muito menos controlar. Talvez por isso a relação dos homens com Deus foi tendo, ao longo da história da humanidade, as mais variadas características e alguns episódios caricatos, para ser suave no adjectivo. As famosas bulas Papais que limpavam por decreto os pecados da nobreza com a prata dos plebeus são disso um bom exemplo, ou os monumentos megalómanos e outros bezerros de ouro oferecidos como moeda de troca por mil imperadores em busca dos favores mais diversos. É a face patética da impotência e do medo levado ao extremo. Pode até ser um dobrar de joelho, mas não tem seguramente nada a ver com humildade. E não tem seguramente nada a ver com aquilo que leva o romeiro pelos caminhos de S. Miguel.
Os testemunhos que tenho ouvido, de viva voz, dão-me um entendimento diferente do fenómeno. Falam-me de outras coisas, outros valores, outras posturas no ajoelhar. Falam de aflições, claro, deixam antever medo, alguns, claro mais uma vez. Quem não tem medo? Eu tenho. Contam-me promessas de sacrifício, teimas de contrição, caminhos de dor e muito, muito sofrimento. Falam de procura, também, e de encontro, a maior parte. Na solidão dos passos mais escondidos aos olhares dos outros, entregues apenas a si próprios e aos seus pensamentos, colocados pelo rigor da própria natureza na correcta dimensão da sua pequenez de meros humanos, é quando me dizem ter conhecido o mais perto que alguma vez conseguiram estar do estado de graça que lhes faltava e pelo qual saíram á estrada. E assim regressam renovados e mais capazes.
Na madrugada passada o cantar chamou-me à janela. Vi o rancho passar sem me ver. E lembrei-me de um bom par de figuras tristes que fiz em conversas de amigos quando, pateta e convicto, repeti que gostava de ir numa romaria. Como quem diz que gosta muito de folclore e comida típica. Como quem diz uma outra coisa qualquer. Tola bravata! Esta madrugada vi o quão longe me encontro de estar á altura da caminhada, neste desencontro em que vivo, comigo e com o céu, ao ver passar aquela gente que me parecia tão perto e no entanto caminhava tão longe de mim. O único momento de contacto foi no arrepio, demasiado breve para uma partilha digna desse nome. Depois voltei para o meu mundo pequenino de coisas importantes, enquanto eles seguiam o caminho importante das coisas pequeninas, como nós, sempre a cantar. Eu não fui, mas como podem ver o eco ficou comigo.