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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

More than meets the eye

Sete Vidas Como os gatos

18
Dez07

Açores porque sim.

Rui Vasco Neto
Dezembro é Dezembro. É sempre assim, ou sou eu sempre assim. È o que é.
Com o avô de vermelho ainda vou lidando, m
as na parte do menino Jesus confesso algumas dificuldades. Não é por mal, antes pela ausência do bem. E pelo brilho das luzes, talvez, muito jingle bells e festa rija. Por isso me lembro tanto do sentir açoriano cada vez que o assunto é esta imensa aventura da fé dos homens no divino.
O outro lado da festa, por assim dizer.

Arrepia. Passam em baixo da minha janela, de noite e de dia, na chuva e no sol que acontecem à vez em S. Miguel. As vozes em coro com os passos fazem o tal cantar que arrepia. É o carisma da fé, a força que move um mundo de almas em redor da crença comum que Deus existe. E da esperança particular que Ele se lembre e cuide da aflição de cada um de nós. Para tanto oferece-se o corpo e o espírito, o sacrifício físico de um e uma prova extrema da humildade do outro perante a grandeza divina. Exposto e despojado, o romeiro dá-se ao olhar de todos como uma evidência da força do querer que existe em cada ser humano e que de facto pode mover montanhas. Nem que seja com uma pá pequenina, daquelas que levam pouca terra de cada vez. Tão pequena como cada passo que faz a longa caminhada da romaria. O cantar, esse, anuncia que chegar ao final é coisa certa, como um tilintar de riqueza.

Sereno ou aflito, o ser humano desde sempre dobrou o joelho á omnipresença de algo que foi descobrindo á sua custa não conseguir compreender, muito menos controlar. Talvez por isso a relação dos homens com Deus foi tendo, ao longo da história da humanidade, as mais variadas características e alguns episódios caricatos, para ser suave no adjectivo. As famosas bulas Papais que limpavam por decreto os pecados da nobreza com a prata dos plebeus são disso um bom exemplo, ou os monumentos megalómanos e outros bezerros de ouro oferecidos como moeda de troca por mil imperadores em busca dos favores mais diversos. É a face patética da impotência e do medo levado ao extremo. Pode até ser um dobrar de joelho, mas não tem seguramente nada a ver com humildade. E não tem seguramente nada a ver com aquilo que leva o romeiro pelos caminhos de S. Miguel.

Os testemunhos que tenho ouvido, de viva voz, dão-me um entendimento diferente do fenómeno. Falam-me de outras coisas, outros valores, outras posturas no ajoelhar. Falam de aflições, claro, deixam antever medo, alguns, claro mais uma vez. Quem não tem medo? Eu tenho. Contam-me promessas de sacrifício, teimas de contrição, caminhos de dor e muito, muito sofrimento. Falam de procura, também, e de encontro, a maior parte. Na solidão dos passos mais escondidos aos olhares dos outros, entregues apenas a si próprios e aos seus pensamentos, colocados pelo rigor da própria natureza na correcta dimensão da sua pequenez de meros humanos, é quando me dizem ter conhecido o mais perto que alguma vez conseguiram estar do estado de graça que lhes faltava e pelo qual saíram á estrada. E assim regressam renovados e mais capazes.

Na madrugada passada o cantar chamou-me à janela. Vi o rancho passar sem me ver. E lembrei-me de um bom par de figuras tristes que fiz em conversas de amigos quando, pateta e convicto, repeti que gostava de ir numa romaria. Como quem diz que gosta muito de folclore e comida típica. Como quem diz uma outra coisa qualquer. Tola bravata! Esta madrugada vi o quão longe me encontro de estar á altura da caminhada, neste desencontro em que vivo, comigo e com o céu, ao ver passar aquela gente que me parecia tão perto e no entanto caminhava tão longe de mim. O único momento de contacto foi no arrepio, demasiado breve para uma partilha digna desse nome. Depois voltei para o meu mundo pequenino de coisas importantes, enquanto eles seguiam o caminho importante das coisas pequeninas, como nós, sempre a cantar. Eu não fui, mas como podem ver o eco ficou comigo.

18
Dez07

Cinical

Rui Vasco Neto
Chega Dezembro e é assim. O pão vira circo na mesa de todas as acrobacias d'alma que são absolutamente essenciais para conseguir chegar a Janeiro com poucas mossas e um ar lavadinho e como novo. Dia um de Janeiro é dia zero quilómetros, bora lá outra vez que vais ver que é desta. E são onze meses de labuta, aumento da electricidade para aqui, kilo da pescada para ali, Sócrates disse, Menezes disse, Cavaco chatice, Casa Pia resiste, pedofilia insiste, o Porto ganhou, o Benfica perdeu e Lili é sempre Lili, c'um Caneças! Uma ou duas rusgas na Ribeira, disco novo da Mariza, meio discurso de Alberto João Jardim para rebater e temos o ano feito num ápice. Até Novembro só aspiram à paz mundial os simples, os meninos das escolas primárias, os candidatos ao Nobel da dita e as misses dos concursos de beleza nos seus discursos de vitória. Dia um de Dezembro volta a abrir a época, haja calma, que um ano passa num instante. E muitos méri cristemas para todos, claro.
17
Dez07

Hibernanços

Rui Vasco Neto
Nem toda a hibernação será pecado, estou certo. Nem todo o parar será empurrão e apito, falta e cartão amarelo, penalty passível de desconto de tempo ou terminal desclassificação. Afinal que porra de corrida é esta, se me é permitida a questão? Eu cá até fiz os mínimos, ultrapassei, pontuei, classifiquei, embasbaquei, improvisei e até hilariei, se é que existe o verbo. Depois acabei. Pronto. E então?

Sou um rapaz completo, insurrecto, sem tecto, ambirecto, neto, não anacleto, predilecto e um prodígio de incumprimento na exacta medida do rigor pré programado com milénios de antecedência. Sou uma coisa e o contrário dessa coisa, outro prodígio ou nem tanto, já que todo o universo é feito de equilíbrio entre contrários, bem e mal, macho e fêmea, certo e errado, Yin e Yang ou o branco e preto de um esforço inglório de perfeição que se acaba em si próprio no limitado parir do cinza eterno que é a entediante existência humana. Eu cá sou isso e o resto, sou o aquilo e o aqueloutro, o outrossim e o no entanto, um enfim, sempre um encanto, um portento e um portanto, só talvez e sem porquês. Não vês? Como é que não vês, nem só uma vez, só uma vez? Eu sou assim e sou assado, sou frito ao sol de todas as primaveras passadas, cozido no banho maria das minhas perdidas convicções, fatiado com requintes e servido às postas finas, sem tempero nem acompanhamento, para evitar riscos de manifesta indigestão nos indígenas que se chegam sorrateiros ao cheiro do repasto.

Lembra-te. Eu sou eu e sou tu se o eu te quiser muito e o tu se distrair na passada ou se o tu tanto me quiser que o eu não tenha palavrinha a piar neste gorjeio agora a dois. Eu sou raio e sou trovão, luz e barulho, mostly, incêndio e fogo fátuo, tragédia e incidente sem perigosidade de maior. Mas sempre um risco, sempre, permanente e manifesto, de queimadura do quinto grau elevado à décima potência de toda a nossa infinita impotência para lidar com esta coisa estranha e merdosa a que tão pomposa e despropositadamente chamam vida. Por isso hiberno, de vez em quando.

Sobretudo no Natal.

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