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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

More than meets the eye

Sete Vidas Como os gatos

30
Abr08

Bom dia. Hoje eu tenho um novo pratinho para os mesmos caracóis.

Rui Vasco Neto
Uma mudança é sempre uma mudança, uma confusão na maior parte das vezes, digam lá o que disserem. Esta correu bem, não por acaso mas por obra do talento do Pedro Neves, da equipa do Sapo, que foi verdadeiramente incansável, para além de competente.
Resultado: barraca nova na favela, novo endereço para o 'sete vidas como os gatos' e mais: blogger adeus, Sapo 'olá cá estou eu'. E pronto. Já tá.
Só que esta coisa de andar com a casa às costas será bom para os caracóis, talvez, e mesmo assim nem sempre, que eu cá bem os vejo, arrancados ao lar mal põem os corninhos de fora, sacados a toque de alfinete, sugados do corno à ponta fecal, as casinhas todas chupadinhas, tadinhos, até não restar um pingo daquela molhenga de orégãos que os cozeu em morte lenta, já prisioneiros do seu destino. Uma tristeza, meu Deus, uma caracolficina de ir às lágrimas. Vem pois o triste fim dos caracóis a despropósito desta coisa de andar com a casa às costas, uma estranha sensação que eu estou a experimentar pela primeiríssima vez. Em blogues, claro.

A partir de hoje mora aqui o 'sete vidas como os gatos', mi casa, su casa. E o que é o 'sete vidas como os gatos'? Ora, então?! Pois entre e vá pelos seus dedos, não tem que enganar, vamos, fique à vontade e descubra por si tudo o que há para descobrir. More than meets the eye, sempre. E verá que se está bem por aqui, neste jardim de palavras semeadas e cuidadas por este vosso fiel jardineiro.
Às vezes são 'sete vidas mais uma' , acontece com frequência: são os amigos da casa, mais os convidados especiais que passam, lêem, entram, comentam e voltam uma e outra vez. Assim blogamos, no prazer da partilha das ideias, degrau para outras ideias que aqui nascem ou que por aqui passam para depois seguirem o seu caminho, enriquecidas. Tal como todos nós enriquecidos ficamos.

É assim o novo 'sete vidas como os gatos', depois da aventura da casa às costas. E como hoje é a inauguração, dia de festa, lá mais para a tardinha serão servidas bebidas espirituosas e um tira-gosto escolhido a dedo para a ocasião: um pratinho de caracóis, naturalmente.
29
Abr08

A Ópera em Portugal - Primeiros tempos / o triunfo (III)

Rui Vasco Neto
E pronto, sem mais comentários ou introduções, aqui vos deixo a parte terceira deste trabalho de Daniel de Sá sobre a ópera no nosso país, exactamente aquela que fala dos primeiros tempos e dos primeiros nomes com responsabilidades na introdução deste novo e grandioso espectáculo no Portugal do século XVIII. Retrato de um triunfo.

Em baixo:
"A Ópera em Portugal - Primeiros tempos / o triunfo"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
Parte I : As origens da ópera
Parte II : Introdução da ópera em Portugal
Parte III : Primeiros tempos / o triunfo


A principal figura de referência musical na primeira metade do século XVIII em Portugal (para além do extraordinário compositor, cravista e organista que foi Carlos Seixas) é Francisco António de Almeida, e não apenas pelo facto de ter sido o autor que estreou a ópera no nosso país. Tendo ido estudar para Roma a expensas da Coroa, onde, ao que se pensa, teve como mestre Ottavio Pitoni, logo aí fez sucesso com o Pentimento di Davidde, em 1722, e com a oratória Giuditta, em 1726, cuja partitura foi encontrada há poucas décadas na Biblioteca de Berlim, e que é a mais antiga peça portuguesa para orquestra que se conhece, incluindo, para além das cordas, um oboé, duas trombetas e cravo. No seu regresso a Lisboa, oferece a D. João V, em 27 de Dezembro de 1729 (festa litúrgica de S. João Evangelista, padroeiro do rei), “Il Trionfo d’Amore”, um divertimento pastoral.

Foi também organista e provavelmente mestre da capela da Patriarcal. Para além de umas quantas obras mais, que serão com certeza uma pequena parte do trabalho deste compositor, nada se sabe da sua vida, nem sequer quando nasceu nem o ano da sua morte. Mas sobre ele, a respeito de La Spinalda, apresentada durante o IX Festival Gulbenkian, o musicólogo francês Claude Rostand escreveu o seguinte: “Sem dúvida esta comédia musical está realizada à base de receitas e de fórmulas, tanto no plano cénico como no plano musical. Mas, para a época, tais receitas são bastante novas: são as da ópera cómica napolitana. Nesse tempo, elas não tinham dado ainda todos os frutos e encontravam-se no estado de frescura das experiências e da inovação.” E, mais adiante, acrescenta: “Francisco António de Almeida apresenta-se, pois, como um homem de vanguarda, e se os processos que utiliza nos parecem hoje um pouco banalizados pelo emprego que deles se fez posteriormente, o compositor português é o primeiro a ter-lhes dado vida com uma verve singular.”

António Teixeira, nascido em 1707 e que foi o primeiro aprendiz de música a ser mandado para Itália por D. João V, quando tinha apenas dez anos, foi um compositor e cravista de grande talento e contribuiu para a popularização da ópera em Portugal. Um contemporâneo seu, em carta escrita em 1754, faz-lhe um elogio que parece ser póstumo, pelo que se supõe que terá morrido provavelmente no ano anterior, embora haja quem presuma que a sua morte se deveu ao terramoto de 1755. Em colaboração com António José da Silva (filho de pais presos pela Inquisição por serem acusados de judaísmo, quando tinha sete anos, o que o fez vir do Brasil para Lisboa) apresentou em Outubro de 1733, no Teatro do Bairro Alto, aquela que há quem considear a primeira ópera cantada em português. Embora não se trate de uma ópera, no sentido rigoroso do termo, foi assim que a classificou António José da Silva. O texto deste autor (intitulado Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança) era em prosa, e foi representado com o recurso a fantoches, havendo António Teixeira composto para o mesmo algumas partes musicais.

Seguiram-se, destes dois artistas e com igual processo de representação, As Guerras do Alecrim e da Manjerona, no Carnaval de 1737 e, ainda nesse ano, As Variedades de Proteu. Presume-se que António Teixeira terá mais tarde revisto a música que compusera para um teatro de tão limitadas condições. A colaboração entre os dois artistas acabou tragicamente com a morte de António José da Silva, ele também acusado de judaísmo (aliás ficou conhecido como “o Judeu”) e condenado pela Inquisição em 1739. Do próprio António Teixeira nada de concreto se sabe a partir desse tempo. Mas estava conquistado para a ópera um público de baixa condição social, enquanto os nobres e a burguesia a iam transformando na sua nova paixão.

Com um público definitivamente conquistado, e a nobreza e a burguesia entusiasmadas com essa nova maneira de se divertirem, os compositores portugueses passaram a ter um novo campo para exercitar as suas qualidades. Foram criados novos teatros (além do real, na Ajuda, o da Academia da Trindade, no Bairro Alto, e o da Rua dos Condes) pelo que a ópera deixou de ser um privilégio do Paço Real da Ribeira e do teatro do palácio de Salvaterra de Magos, que fora construído, no século XVI, pelo infante D. Luís, irmão de D. João III, a quem o rei tinha oferecido aquela vila. (No Teatro da Trindade, e depois no da Rua dos Condes, a companhia de Alessandro Paghetti apresentou vários espectáculos de ópera, entre os anos de 1735 e1742.)

Na segunda metade do século XVIII vários compositores de grande talento se destacaram. João de Sousa Carvalho foi o mestre incontestável da música portuguesa durante a sua relativamente breve vida activa. Tendo nascido em Estremoz, em 1745, foi aluno do Colégio dos Reis Magos, em Vila Viçosa. Tais foram as capacidades que demonstrou que foi enviado para Nápoles a fim de continuar os estudos, privilégio que normalmente era concedido apenas aos alunos da Patriarcal. Depois de ter passado seis anos no Conservatório de Santo Onofre, de Capuana, regressou a Portugal onde foi nomeado professor do Seminário Patriarcal de Lisboa. A sua estreia aconteceu com a ópera cómica L’Amore Industrioso, um sucesso tão grande que foi levada à cena nove vezes, o que não acontecera nunca. Apesar disso abandonou o género cómico, tendo, para além de variadas composições profanas e religiosas (sobretudo missas, uma das quais é notável por privilegiar os instrumentos de sopro) composto outras óperas de sucesso, como Perseo ou Penelope. Foi mestre dos príncipes e, no Seminário, professor dos maiores músicos que haveriam de brilhar ainda nesse século. Morreu em 1798.

Leal Moreira, um dos discípulos de João de Sousa Carvalho no Seminário Patriarcal de Lisboa, nasceu em Abrantes em 1758. Foi, em Portugal, o mais respeitado chefe de orquestra da sua geração, além de organista e mestre das capelas da Patriarcal e Real. Também influenciado pela escola italiana, não deixou de pôr uma certa marca portuguesa nas óperas A Vingança da Cigana e A Saloia Enamorada, com libretos de Caldas Barbosa, poeta brasileiro. Autor de composições religiosas, foi no entanto no campo da ópera que mais se destacou, tanto pela quantidade como pela qualidade, tendo mesmo uma delas, Il Desertore Francese, constituído assinalável êxito em Turim, onde se estreou no Carnaval de 1800, e em Milão, onde foi representada no Scala, em 1801. António Leal Moreira foi o primeiro director do Teatro de S. Carlos, cargo em que permaneceu sete anos, desde a sua inauguração até 1800. Viria a falecer em 1819.

João José Baldi, que nasceu em 1770 e morreu em 1816, estudou música no seminário Patriarcal e teve vários mestres de renome, o principal dos quais foi João de Sousa Carvalho. Foi mestre na sé da Guarda e na de Faro, além da Patriarcal, do Seminário de Lisboa e da Capela Real da Bemposta. Nitidamente influenciado pela ópera italiana, compôs com muita graciosidade e simplicidade, o que lhe valeu ter sido facilmente aceite por um vasto público. Esse seu gosto fez mesmo com que compusesse obras para serem cantadas nas igrejas que constituíam peças quase cómicas, mas que, talvez por isso, tinham a mesma aceitação popular dos espectáculos verdadeiramente profanos.
(Amanhã: "Parte IV - Marcos Portugal: ambiente e obra")
28
Abr08

A Ópera em Portugal - Introdução da ópera em Portugal (II)

Rui Vasco Neto
Este é o segundo capítulo do estudo sobre a Ópera em Portugal, da autoria de Daniel de Sá, cuja publicação teve início ontem com 'As origens da Ópera', o primeiro capítulo da série. Organizado em oito grandes capítulos, resultado de um trabalho de pesquisa notável e escrito com a qualidade a que este autor já nos habituou, este estudo leva-nos numa viagem histórica de visita aos palcos e bastidores desse espectáculo que alguém descreveu como "o mais sumptuoso e dispendioso divertimento que o engenho humano pode conceber". Um trabalho absolutamente imperdível, com publicação diária, que hoje dá a conhecer o seu segundo capítulo.


Em baixo:
"A Ópera em Portugal - Introdução da ópera em Portugal"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá

Parte I : As origens da ópera
Parte II : Introdução da ópera em Portugal


Passar-se-ia quase século e meio desde o aparecimento da ópera na Itália até à sua chegada ao nosso país, depois de ter conquistado o público de quase toda a Europa sobretudo a partir de Veneza, cidade onde ganhou o seu nome definitivo e onde foram feitos os primeiros teatros de ópera, que atingiram um total de dezasseis ainda durante o século XVII.

Tendo começado como um produto de pura exportação, que foi recebido com grande entusiasmo na Inglaterra e em outras regiões europeias como as de língua alemã e a França, cedo começaram a aparecer autores que fizeram da ópera um espectáculo nacional, tanto no que respeita à música como aos temas tratados, embora sem se afastarem muito, normalmente, do padrão italiano.

O caso mais bem sucedido de um estilo de ópera nitidamente nacional talvez se tenha dado em Espanha, com a zarzuela, que se trata de um espectáculo ligeiro, no género dos que foram chamados opera buffa, em Itália, singspiel, na Alemanha, opéra comique, na França, ou ballad opera, na Inglaterra. O primeiro espectáculo de zarzuela (El jardín de Falerina, de Calderón de la Barca, com música de Juan Risco) foi oferecido em 1648 a Filipe IV e sua corte, no palácio real da Zarzuela, que recebera este nome da erva que abundava no lugar e que passou também a designar a ópera ligeira espanhola. Apesar desta proximidade geográfica, tardaria ainda quase um século a entrada da ópera nos hábitos culturais portugueses. As razões são várias e talvez possam ser explicadas por diferentes condicionalismos.

A ópera nasceu sob a protecção dos nobres e, antes da construção do teatro de San Cassiano, em Veneza, em 1637, era representada apenas nos seus palácios. Ora em Portugal, durante todo o século XVI e início do XVII, a nobreza não se distinguia de maneira nenhuma por interesses culturais, enquanto que a própria criação artística não foi brilhante. Até 1640, o país viveu sob o domínio da dinastia filipina que, embora não tenha exercido qualquer censura sobre a literatura, a música e as outras artes, não representava uma condição motivadora de grandes rasgos criadores, tendo-se seguido quase três décadas de estado permanente de guerra com Espanha depois da restauração da independência.

Se é certo que os reis desse período (D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II) se interessaram muito pela música, principalmente D. João IV, ele mesmo um bom compositor, fizeram-no sobretudo a respeito da música sacra, pouco contribuindo para outras formas de expressão musical. Quanto aos nobres, a maior parte deles sem uma história familiar de apego à cultura, gostavam de se exibir pela virilidade, como homens sempre dispostos à luta, armados de espadas que faziam parte obrigatória da sua apresentação diária e que desembainhavam com facilidade para um duelo.

Com a subida ao trono de D. João V, em 1707, a situação estava longe ainda de se modificar, apesar do seu interesse pelas artes, sobretudo a Arquitectura e a Música, tendo mesmo, além de outras iniciativas de enorme interesse, chamado à corte o compositor e cravista italiano Giuseppe Domenico Sacarlatti, filho de Alessandro Scarlatti, ao mesmo tempo que continuava a enviar para Itália jovens músicos portugueses, um dos quais foi Francisco António de Almeida, que viria a ser o autor da primeira ópera portuguesa.

Talvez não seja incorrecto supor que essa indiferença inicial de D. João V pela ópera poderá ter-se devido ao gosto herdado dos seus antecessores e, quem sabe, a alguma desconfiança perante um espectáculo demasiado profano, que incluía mulheres como actrizes e abordava temas raramente piedosos, tanto mais que, nos últimos anos da sua vida, e depois de ter sofrido uma apoplexia, D. João V proibiu a ópera devido a escrúpulos morais. O certo é que, finalmente, em 1733, (dois anos depois de a corte ter assistido à primeira ópera, italiana, representada em Portugal) por altura do Carnaval (e aqui está possivelmente uma indicação do pensamento real a respeito de um espectáculo que ele terá julgado apropriado para tal época do ano), foi apresentada no Paço da Ribeira (que haveria de arder completamente por causa do terramoto de 1755) a ópera La Pazienze di Socrate, com música de Francisco António de Almeida, que se julga ter sido ainda aluno de Alessandro Scarlatti, e libreto de Alexandre de Gusmão, escrito, como se percebe pelo próprio título, em italiano.

O oiro do Brasil seria fonte de riqueza não apenas para o rei e o seus gastos sumptuosos, mas para a generalidade da nobreza, que mudou radicalmente a maneira de exibir a sua importância, passando a preferir as festas, as procissões ou a música. Estava aberto um novo caminho à música portuguesa, porquanto as exigências tão diversas da ópera, em termos de partitura, sem dúvida contribuíram muito para o desenvolvimento desta arte, obrigando os compositores nacionais a diversificarem as suas formas de expressão através do canto para solistas ou para coro e da orquestração.
(Amanhã: "Parte III - Os primeiros tempos")
28
Abr08

O capacho da esquadra de Moscavide

Rui Vasco Neto
É francamente constrangedora, esta história do grupo de indivíduos que invadiu a esquadra de Moscavide para sovar um outro que lá se tinha acoitado exactamente para fugir dos seus perseguidores. Sem sucesso. O episódio não é fácil de comentar, convenhamos. Por onde começar? Pelo facto de mais parecer a Rotunda do Marquês, aquela esquadra que é ponto de passagem, entrada, mocada e saída para quem quiser, quando e como quiser? Ou antes pela ausência de agentes da PSP no único sítio onde era suposto encontrá-los sempre, a todas as horas?

Uma esquadra de polícia não é um café, jardim ou miradouro. Não se vai lá para conviver, conversar, ver os amigos ou muito menos bater-lhes, sendo que esta última hipótese está mesmo reservada aos profissionais da casa, que detêm o exclusivo da modalidade em qualquer esquadra do país e estrangeiro. Por isso, em princípio, ninguém lá vai sem ter algo de importante para tratar e resolver, ou então porque foi chamado e a tanto obrigado, quisesse ou não. Mas, aparentemente, também nesse particular os tempos são de mudança. Uma porta aberta e sem vigilância faz tanto sentido num posto policial como um capacho de boas vindas na entrada, a convidar à visita. Será que existe um tapete assim na esquadra de Moscavide? Já seria pelo menos uma explicação para o absurdo que por lá aconteceu.
27
Abr08

A Ópera em Portugal - As origens da Ópera (I)

Rui Vasco Neto
É meu privilégio dar hoje início à publicação de um estudo composto por um conjunto de textos originais de Daniel de Sá sobre o aparecimento e evolução da Ópera em Portugal. Organizado em oito grandes capítulos, resultado de um trabalho de pesquisa notável e escrito com a qualidade a que este autor já nos habituou, este estudo leva-nos numa viagem histórica de visita aos palcos e bastidores desse espectáculo que alguém descreveu como "o mais sumptuoso e dispendioso divertimento que o engenho humano pode conceber". Um trabalho absolutamente imperdível, com publicação diária a partir de hoje e deste primeiro capítulo que nos dá a conhecer "As Origens da Ópera", com assintaura de Daniel de Sá, aqui no 'SeteVidas'. Boa leitura.


Em baixo:
"A Ópera em Portugal - As origens da Ópera"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá


A ópera, como normalmente todas as formas de arte ou de outras actividades humanas, resulta de uma longa evolução, com raízes milenares, apesar de o seu conceito e a forma como a conhecemos ter apenas cerca de quatro séculos. Aliás, no caso da ópera não se pode falar de uma arte apenas, mas de um conjunto delas, pois que inclui a música, o teatro e a poesia, e até, por vezes, a própria dança, o que a transforma numa forma de representação mais complexa do que qualquer outra.

No teatro grego, o mais antigo de que se tem conhecimento abundantemente documentado, a música fazia parte do espectáculo e contribuía para o desenrolar do drama ou da comédia, através dos coros e mesmo música instrumental.
De certo modo pode dizer-se que o Homem sempre teve tendência para transformar em espectáculo coreografado e, com frequência, musicado, manifestações colectivas, sobretudo nos rituais religiosos, quer nas religiões politeístas quer nas judaico-cristãs. Basta pensar na grandiosidade das celebrações da Páscoa da Igreja Ortodoxa russa ou na missa do rito arménio, sendo nesta tão importante a função da música que ninguém pode ser ordenado presbítero se não for um bom cantor, ficando condenado a ser diácono toda a vida se não possuir boa voz e capacidade de interpretação.

A evolução, pois, das diversas formas de teatro para o espectáculo que deveria passar a ser conhecido como ópera (da palavra latina opus, que se aplica a qualquer peça – ou obra – musical) parece ser, assim, uma consequência natural da evolução da música e do teatro. A ópera acabaria por surgir na Itália precisamente como consequência do Renascimento, a partir da intenção do conjunto de artistas da Camerata Fiorentina de retornar ao teatro grego. A primeira tentativa do género foi apresentada no palácio de Jacopo Corsi, em 1594, Dafne, com libreto de Ottavio Rinuccini e música de Jacopo Peri, que três anos depois compuseram Euridice, havendo nesta já a participação do músico Giulio Caccini. Tendo-se perdido a partitura de Dafne, felizmente não aconteceu o mesmo com a de Euridice (estreada em 30 de Outubro de 1600, com o próprio Peri a desempenhar o papel de Orfeu).

As formas que precederam imediatamente este género musical, e de certa maneira o inspiraram, foram várias, com destaque para as peças musicais litúrgicas (sacre rappresentazioni) que se cantavam nas igrejas ou nas praças em frente delas, incluindo cenários, guarda-roupa e efeitos cénicos. Também em Portugal era costume organizar este tipo de autos religiosos, os “mistérios”, sem esquecer que no teatro de Gil Vicente a música desempenhava um importante papel. Outra influência terá sido a dos interlúdios (intermezzi ou intermedi), apresentados entre os dramas falados, normalmente para honrar algum momento especial na vida da nobreza, bem como a pastoral (pastorale), que era um longo poema recitado em palco e acompanhado de canções a solo e de peças corais. Também os madrigais, reunidos em grupos sob a designação de comédias madrigais, se podem considerar antecessores da ópera, apesar de, muitas vezes, os cantores estarem atrás do cenário enquanto os actores representavam em pantomima.

De Florença a ópera passa a Roma (com Emilio de Cavalieri, Domenico Mazzocchi e Stefano Landi) e depois a Veneza, onde se distingue um dos mais geniais compositores de sempre, Claudio Monteverdi, com a primeira das suas dezoito óperas, La Favola d’Orfeo, sob encomenda, em 1607, do duque de Mântua, tendo sido o seu próprio secretário de Estado, Alessandro Striggio, o autor do libreto. Estava assim definitivamente consolidado um novo género musical e dramático que maravilhava os espectadores, como ficou bem expresso por John Evelyn, um inglês que, a propósito de uma representação a que assistiu em Veneza, escreveu no seu diário: “Trata-se, no seu conjunto, do mais sumptuoso e dispendioso divertimento que o engenho humano pode conceber.”

(Amanhã: "Parte II - A introdução da Ópera em Portugal")
27
Abr08

Ecce homo

Rui Vasco Neto
Hoje a minha terra acordou engalanada para assistir ao passeio anual do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Que já começou, às quatro e meia da tarde, no Largo de São Francisco. Durante cinco, seis horas de procissão, o andor que transporta a imagem venerada corre as ruas da cidade de Ponta Delgada, trilhando simultâneamente os caminhos da fé de cada um pelas artérias do coração micaelense.
Hoje é o dia da festa da devoção açoriana. E o meu coração lá está também, na minha ilha, hoje feita altar florido que, do meio do oceano, envia para o mundo inteiro, mais uma vez, uma mensagem de humildade e de Fé num Cristo de amor, redentor dos feios pecados da espécie humana. Hoje, na cadência do passo da procissão, a minha gente dá-se aos olhos de Deus e dos outros, num testemunho sentido e vivido pelas mesmas ruas, todos os anos com entusiasmo crescente, por gerações filhas de gerações filhas de gerações que já cresceram neste culto multisecular açoriano.
Hoje, Ponta Delgada é cidade capital da Fé cristã. E eu, mesmo preso aqui, lá estarei, pedra entre as pedras da rua, inteiro de coração.
27
Abr08

Bom dia. Hoje já não se pode pastar descansado em lado nenhum.

Rui Vasco Neto

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