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Abr08
Primeiro as calças, depois o gatilho.
Rui Vasco Neto
Fernando Silva tinha 53 anos e um hábito merdoso: gostava de espreitar, casais, carros estacionados em locais isolados e escuros. Como o parque de estacionamento do "Dunas Bar", por exemplo, na praia das Pedras Negras, um dos muitos 'pinódromos' da zona de Leiria. Por várias vezes tinha já sido visto a rondar carros com casais de namorados, repetidas vezes tinha sido "advertido" por militares da GNR. Mas o vício merdoso era mais forte. "Ele era conhecido. Gostava de espreitar os namorados dentro dos carros, em locais ermos e escuros", explicou fonte daquela força policial ao JN. Um vício que Fernando perdeu de vez (esse e os outros todos, de resto) ao ser baleado mortalmente, ontem de madrugada, por um agente da PSP de Leiria, fora de serviço, quando supostamente espreitava para dentro do carro onde este se encontrava acompanhado de uma mulher. Três tiros acabaram com a vida deste camionista voyeur, casado pela terceira vez, residente na Truta. Quanto ao polícia, de 35 anos, casado e com três filhos, trabalhava na Esquadra de Investigação Criminal do Comando Distrital da PSP de Leiria, mas não se encontrava de serviço naquela madrugada, obrigado a fazer cumprir a lei. Em bom rigor, ele estava mesmo era a infringir a lei, absorto naquelas brincadeiras que Fernando espiava do lado de fora. Quando deu pela presença do mirone, o agente não hesitou e fez fogo. Três vezes. Problema resolvido.
Tudo aconteceu cerca das duas da manhã, no parque de estacionamento do "Dunas Bar", na praia das Pedras Negras, cujo acesso é feito através de uma estrada de terra e pedra, junto ao pinhal de Leiria e sem iluminação. "É sossegado. Os casais podem estar à vontade", explica Cândida Bairrada, a gerente do bar. Fernando ainda foi assistido no local por médicos do INEM, mas acabaria por não resistir aos ferimentos provocados pelos três disparos que, segundo o comandante dos Bombeiros da Marinha Grande, Vítor Graça, o atingiram no pescoço, clavícula e omoplata. Os tais três tiros que o agente diz agora ter disparado por pensar 'que se tratava de um assalto', o que não deixa de ser uma teoria curiosa, para não dizer outra coisa. Mas foi essa a justificação que o polícia terá dado aos inspectores da PJ de Leiria, encarregues da investigação deste homicídio. Agora, só o futuro dirá se a desculpa pega, mesmo esfarrapada, ou se este agente vai ter que responder pela vida que fez terminar enquanto laureava a pevide na via pública.
Tudo depende de como venha a ser oficialmente vista a sua atitude, sendo que, nestas coisas de polícias, é por demais sabido que tudo pode acontecer. Ainda me lembro do caso do agente que matou pelas costas um ladrãozeco de rua, há poucos anos, e foi absolvido por 'legítima defesa', prodigiosamente dada como provada em tribunal. Pois este, com 35 anos de idade, casado, três filhos, em princípio de carreira, também dificilmente será alvo de condenação, estou capaz de apostar. Pode até ser que lhe dêem uma medalha pela proeza, que nem por isso foi de somenos: afinal não é qualquer um que, apanhado sem elas, consegue primeiro apertar as calças e só depois o gatilho, com igual destreza e resultado certeiro. E tudo nos seus momentos de lazer, nas folgas da sua consciência, nos pecadilhos da sua juventude plena de testosterona. Não há dúvida: a luta contra o crime não dá tréguas a quem nasce para ser herói.