É raro, mas acontece. Às vezes a melhor vantagem é só ter uma vantagem, uma única: ter tudo, mas mesmo tudo contra si. Ser uma hipótese sem qualquer hipótese. É bem o caso de Barack Obama (Barack Hussein Obama, pelo amor de Deus!). Seria difícil um começo menos indicado que ter um nome destes, sobretudo quando a juntar ao resto, nem por isso poucochinho. Se não, vejamos.
Era negro mas não era bem um brother, pelo menos para o resto dos brothers, já que é filho de mãe branca e cresceu no Hawai e na Indonésia, longe das dolorosas realidades da América negra. Branco é que ele também não era de certeza, embora também não tenha sido isso que o impediu de obter a sua primeira vitória eleitoral no Iowa, um Estado com 96% de brancos. Um nome muçulmano como o seu, sobretudo Hussein, estaria também longe de ser considerado um dado a favor, numa qualquer análise fria e racional que fosse feita, há quatro anos atrás, sobre aquele político desconhecido que durante sete anos servira o país no Senado Estadual do Illinois. Tudo, mas mesmo tudo contra, aparentemente. Eis a receita do vencedor.
Em Novembro de 2004 Barack Obama é eleito para o Senado Federal, ao arrepio de todas as expectativas dos analistas políticos, para apenas dois anos depois repetir a graça ao anunciar a sua decisão de se candidatar à Presidência dos Estados Unidos. Isto quando ao tempo já existia Hillary Clinton no horizonte democrata, a candidata 'natural' do partido, chamemos-lhe assim, em função de tudo aquilo que Hillary tinha e Obama não: um nome feito na alta-roda da política norte-americana, experiência governativa por contágio entre-coxas (num contexto de cabeça-de-casal), senadora pelo terceiro maior Estado, apoiada por toda a máquina partidária democrata e com financiamento mais do que assegurado à partida para uma longa e desgastante campanha eleitoral. Enfim, tudo e os olhos azuis.
Batidos que estão todos os recordes de improbabilidade por este homem que insiste em contrariar todas as lógicas, (incluindo as lógicas habituais dos mercados financeiros, que fazem o mundo girar) vários caminhos se afiguram possíveis para Barack Obama. Pode ser derrotado por Jonh McCain, o que seria ponto final para já, mas tudo em aberto, apenas uma questão de tempo. Pode derrotar McCain e tornar-se Presidente dos Estados Unidos da América, o que seria apenas ponto, parágrafo e haja papel para a História que ele poderá escrever se assim for. E pode não chegar à eleição, como terá insinuado Hillary quando há pouco mais de uma semana recordou o assassinato de Bob Kennedy, deixando no ar a inevitável associação de ideias com a possibilidade real de Barack Obama ser assassinado. E essa hipótese, se pensarmos bem, não é nada que não possa acontecer nesta América duvidosamente preparada para ver na Casa Branca o neto daquela simpática velhota negra que vive no Quénia. Na linha do longo historial do assassinato político na história da Humanidade, o pior de todos os sinais será o dia em que Obama olhar em redor e só vir apoiantes entusiásticos ao seu lado, nem um detractor, nem sombra de crítica ou oposição visível. Esse será o dia indicado para começar a procurar as adagas escondidas debaixo das túnicas senatoriais. Ou eu muito me engano ou esse dia já passou. E ninguém espreitou as túnicas.
Numa visão de argumentista de Hollywood, neste momento e daqui para a frente, Barack Obama pode ser muito mais rentável morto, enquanto mito, do que vivo enquanto homem mais poderoso do mundo e com vontade própria. Na alta roda do poder mundial, o excesso de protagonismo, quando não totalmente atrelado e sob controle, é definitivamente um desporto a evitar. É por demais sabido que o grande capital apoia toda a democracia desde que possa controlar os resultados das eleições, de uma forma ou de outra. Imagine-se que este homem começa a ficar maior que o mito. Imagine-se que o povo começa a levar a sério aquela coisa da mudança, yes we can, e isso tudo, e de repente esquece a mão que de facto o alimenta. Imagine-se que o próprio Obama começa a acreditar que 'Yes we can' e desata para aí a querer acabar com as guerras e com a fome no mundo (Deus nos livre), ou pior, que se mete a sério a querer acabar com as drogas, sei lá, por exemplo! Imagine-se por um instante que Obama, ele mesmo, se começa a levar a sério e deixa de ser um team player, condição primeira para se ser, no poder na América. Já pensaram?
Imaginemos tudo isto e recuemos por um instante até uma tarde de Novembro, 22, em Dallas, Texas, quando uma só bala entrou e saiu sete vezes nos seus alvos, que passavam num carro aberto e escoltado pela melhor segurança do mundo. Quando uma evidência destas fica oficialmente registada no relatório final da mais polémica comissão de todos os tempos, a Comissão Warren, reunida debaixo dos olhares expectantes do mundo inteiro, então percebemos finalmente que não é necessária imaginação por aí além para entender as motivações que possam existir num ror de gente importante e poderosa para por um ponto final, de calibre 38, no discurso deste homem nascido com uma estrelinha de especial refulgir. Talvez seja o brilho da glória, talvez seja o brilho das lágrimas, quem sabe, como aquelas que a América já chorou um dia sobre o caixão de um homem parecido com este, mas em branco. O mundo inteiro recorda-o pelo sorriso de esperança que lhe abriu as portas da Casa Branca e lhe ditou o cognome que ficaria para a História: forever young. Também ele simbolizava a mudança, também ele arrastava multidões. Hoje vive no panteão dos mitos, lado a lado com Elvis. É assim a América.