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Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

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Sete Vidas Como os gatos

23
Abr09

Uma pergunta socrática

Rui Vasco Neto

Os senhores perdoarão os termos da pergunta, espero. São os meus, sei assim, sou assim. E o próprio não se ofenderá, eis-me rezando, ou lá vou eu mais uma vez parar ao rol dos acusados, carimbado de abusador. Sendo que já dei, lamento, obrigado mas não obrigado, juro que dispenso a notoriedade. Até porque na prática não tenho qualquer intenção calhorda nesta questão que ponho, ou sequer nesta forma como ponho a questão. O que eu quero é saber a verdade, nada mais, sobre os factos (não de somenos) de interesse público que põem em causa a honorabilidade do homem e dos cargos que ocupa e ocupou na governação do meu país. Isso eu quero e tenho direito a saber, com dupla legitimidade, jornalista e cidadão. Mas atenção à ressalva: não preciso de ser jornalista para ter direito a essas respostas, mas o facto de o ser dá mais força e legitimidade às minhas perguntas, goste ou não o senhor Primeiro-Ministro desse facto, não passível de discussão.

 

Eu cá pensava que isto era óbvio para toda a gente mais ou menos informada, um dado adquirido para todos aqueles que de berço aprendem a democracia e ainda mais, melhor: uma regra pacífica para aqueles que supostamente ensinam a democracia, pela prática, ao povo que os elegeu. Esses mesmos que na hora do discurso inflamado nos repetem que a democracia é um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana, que é a institucionalização da liberdade. E que tem como função principal a protecção dos direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão, por exemplo. Aparentemente pareço enganado no que toca a José Sócrates. E é muito o que lhe toca e se lhe agarra, convenhamos, demasiado para se auto-explicar como tricas de lana caprina, diz-que-disse do costume. Afinal, para moça púdica, recatada donzela, o senhor Primeiro-Ministro já foi bastas vezes apanhado de saias ao léu, pelo menos, para não dizer de mão na coisa ou com coisa na mão que não era suposto lá estar, como aquele cartãozinho político lá pelo meio do curso de engenharia, por exemplo (triste). Ou os projectos malaicos da Guarda, cidade/prova viva da engenharia habilidosa da sua habilidade em engenharia. Ou o seu património pessoal que de facto desabrochou do nada quando se desconhece ao dinheiro capacidades hermafroditas de reprodução e escasseiam explicações alternativas. Ou o estranho, estranho caso Cova da Beira. Ou ainda o caso do momento, razão do alarido, aquele processo de licenciamento do Freeport que só a julgar pelo já provado e assumido até, tresanda a favor, pago ou não pago, e a história mal contada.

 

Gostará o senhor Primeiro Ministro que se digam estas coisas ou não, é um seu direito que ninguém nega. Sempre recordando, porém, que não foi propriamente na ponta de sabre que Sócrates chegou ao poder, empurrado porque não queria, não queria, por favor não. Pois se agora é Primeiro-Ministro de Portugal fará então a fineza de se prestar a esclarecer estas minudências que envolvem negociatas suspeitas no mínimo, porque no máximo serão tão corruptas quanto cheiram à distância. E quando é uma parada dessas que está em jogo, aqui ou no Botswana, eu digo que se lixe a prosápia do político e que se esprema a verdade ao servidor público, o mesmo que pediu votos de porta em porta exigindo e contabilizando a presença da mesma comunicação social que agora vitupera e processa criminalmente porque não diz o que mais lhe agradaria, num tique de ditador que me arranca a pergunta, socrática, esta e não outra: então e ao Primeiro-Ministro de Portugal, saltou a tampa ou caiu a máscara?

22
Abr09

Falar com Deus. Ou Deus a falar?

Rui Vasco Neto

Se eu quiser falar com Deus
tenho que ficar a sós
tenho que apagar a luz
tenho que calar a voz
tenho que encontrar a paz
tenho que folgar os nós
dos sapatos, da gravata
dos desejos, dos receios
tenho que esquecer a data
tenho que perder a conta
tenho que ter mãos vazias
ter a alma e o corpo nus

Se eu quiser falar com Deus
tenho que aceitar a dor
tenho que comer o pão
que o diabo amassou
tenho que virar um cão
tenho que lamber o chão
dos palácios, dos castelos
sumptuosos do meu sonho
tenho que me ver tristonho
tenho que me achar medonho 
e apesar de um mal tamanho
alegrar meu coração

 

(Gilberto Gil)

 

21
Abr09

Crónica de café

Rui Vasco Neto

Adoro um bom café, essa é que é a verdade. Gosto do sabor, do aroma, da forma única como mexe comigo, com o meu organismo, com as minhas sensações. Como agita os meus nervos (‘guizos de oiro a tilintar’, Florbela dixit) e assim dispara as minhas energias em todas as direcções num espasmo de mil sabores, antes de deixar na boca e nos lábios aquele gosto bom e intenso que vira memória do prazer. É um vício antigo, descobri cedo, um prazer que não dispenso desde que aprendi a saborear, a prolongar o encanto, dosear a sofreguidão e bebericar em pequenos goles para que dure mais. Para que seja eterno enquanto dura. Assim aprendi os amargos de boca, também, vinham no pacote. No geral sobrevivi ao alcalóide fatal da coisa, ao que mata a sério. Cá estou, ainda fã.

 

Já bebi de tudo, há que confessar. Em todos e cada um o seu encanto particular, único, irrepetível, o seu gosto peculiar. Provei longos, curtos, intensos, mornos, cheios, frios, escuros, claros, fortes e suaves. Escaldei-me, não raro. Tive-os intoxicantes, daqueles que arrasam o bem estar e deixam marca, quantas vezes alergias de pele e outras. Biquei-os descafeinados, incapazes de fazer mal, porque tão assépticos como insonsos. Mas quentinhos, lá está, breve consolo e pouco mais. É a tal coisa: café é café, sabe sempre bem, nem que apenas por hábito, saudável exercício. E às tantas a gente habitua-se ao paladar, àquele qualquer que as circunstâncias plantaram no nosso caminho porque ficava mais perto ou dava mais jeito ou até nem era mau de todo, que sei eu, é assim e pronto, tanta vez... E de repente passa uma vida inteira sem que se prove doutra marca, outro lote, outra mistura. Assim se perde a capacidade de escolha por anulação voluntária, por desistência das papilas, gustativas mas menos, cada vez mais.

 

No meu caso nem tanto, é certo, feitios, talvez. Continuo dependente daquele consolo, fã incondicional do sabor, pese resignado ao breve, razoável, sofrível, que vai sendo regra acontecer. Mesmo assim mantém o fascínio, aquela irresistível incógnita gustativa. E as chávenas estão cada vez mais fashion, reconheça-se, mais bonitas, mais cuidadas e elegantes, desde que alguém fez a esmola de descobrir o quanto a cobiça do olhar aumenta a vontade da prova. E assim sigo bebericando o meu cafezinho, como sempre, como dantes.

 

Só que entretanto descobri um Nespresso, ou lá o que é aquilo, coisa recente. Então e não é que ando convencido que nunca mais quero outra coisa? Pois que seja eterna a convicção. Enquanto durar, claro.

 

19
Abr09

Adoentadozito, é aquilo que eu ando. Ou então sonhei.

Rui Vasco Neto

Credo! Que sonho estranho ando eu a ter, por estes dias e noites. Sonhei que estava apaixonado, vejam só, a desgraceira que me armou Morfeu quando me apanhou de costas. Eu, imaginem: babado, pateta de paixão, absolutamente de quatro por um sonho bom de gente, sorriso lindo com coração lá dentro e a bater por mim num corpo de paraíso, desenhado, esculpido, burilado na(s) medida(s) exacta(s) do meu desejo. Nascido para mim, que há horas felizes. Instalado em mim, nos apelos do cheiro, do toque, dos sabores, em absolutamente todas as variantes do sentir. A coisa mais absurda que imaginar se possa, como vêem. Muito provavelmente um equívoco, é o mais certo, que cedo se esclarecerá.

 

E então lá andava eu, rindo por tudo e de nada, manhã à noite em particular, de orelha a orelha, numa felicidade que não existe porque não pode existir, não pode ser possível, só nos livros ou nos sonhos ou nem nos sonhos nem nos livros, sei lá eu. E ela igual, o mesmo desvario, quase pior, coração ansioso, sempre, a todas as horas em que se não está quer estar, comigo, connosco, porque de repente só o 'nós' faz sentido e nenhum dos eu's tem mais graça sozinho, é um facto. Uma lamechice pegada, saborosa, uma chatice, irresistível, um estado de felicidade a um passo da perfeição, que não existe. Porque ninguém merece tanto, afinal. É por isso que deve ser um sonho, só pode ser, concluo aliviado. E porquê o alívio? Ora, porque não quero andar assim na rua, cara de parvo e a gostar de toda a gente, a achar que o mundo é lindo, que a vida vale a pena e mais as flores e as plantinhas e os passarinhos e essas merdas assim. Não, por favor. Não, sim?

 

Para mim chega, quero o meu humor de cão de fila outra vez de volta, aquele que me protegia da vida e do mundo e dos outros e deste tipo de porras da paixão, exactamente, este perigoso tipo de perigo que mata mais que o cigarro, muito, muito mais. Quero voltar a rosnar, parar com este ronronar que não vai comigo, que diabo, tenho uma reputação a defender, sou um duro, caramba.

 

Amanhã vou a um médico de canalhas, está decidido. 

18
Abr09

Admirável mundo novo

Rui Vasco Neto
15
Abr09

Assim se ganham as guerras

Rui Vasco Neto

A notícia do Correio da Manhã, honra lhe seja feita, não deixa lugar a quaisquer dúvidas, de interpretação ou outras. Reza assim: «Os militares do sexo masculino estão expressamente proibidos de usar maquilhagem e pintar as unhas. A norma consta de um despacho do Chefe do Estado-Maior do Exército, general Pinto Ramalho, que entrou em vigor no passado dia um». Depois diz mais coisas, ainda, esclarece outros pormenores, muitos outros, respeitantes ao novo código de 'apresentação e atavio dos militares'. Mas as regras são menos apertadas para as mulheres do que para os homens, está visto, uma vez que estes ficam então proibidos de usar maquilhagem ou pintar as unhas enquanto que o novo código não especifica em que condições podem as nossas militares passar a usar as patilhas, barbas e bigodes. Embora a expectativa seja grande, como se calcula, nos quartéis de norte a sul deste Portugal das surpresas. Depois de preenchida essa lacuna, mais o tempo exacto da licença de parto para os mancebos que engravidarem em comissão de serviço, ficaremos definitivamente prontos para vencer qualquer guerra, seja onde for e contra quem for. Só cá faltava o código, este, claro. Agora somos imbatíveis.

14
Abr09

O julgamento de Isaltino Morais contado às crianças (2)

Rui Vasco Neto

O julgamento de Isaltino Morais soma e segue no tribunal de Sintra. Enquanto se multiplicam as dúvidas e as opiniões se dividem, o tribunal soma provas e segue em recta de colisão com a presunção de inocência que ainda pudesse sobreviver em alguém, sei lá, nas crianças, por exemplo, talvez. Só que fica difícil, até para essas que acreditam que o Shrek até pode um dia casar com a princesa Ariel, acreditarem também que Isaltino não encheu o bolso à custa da sua função pública, governando-se enquanto governava. Razões não faltam para o cepticismo. Hoje foi a vez de um antigo adjunto da presidência da Câmara de Oeiras dizer em tribunal que a casa de Isaltino Morais em Altura, Algarve, foi uma contrapartida do empresário João Algarvio por um licenciamento de um projecto imobiliário. E Isaltino, negou? Não, não exactamente, longe disso, até. «Ele disse que eu lhe disse e isso vale zero», disse o autarca à agência Lusa, num sonoro nim. Ora aqui está um homem prático, pensei eu cá para comigo, ciente que ninguém neste mundo acreditará algum dia no oposto das evidências e, por isso, preocupado apenas com aquilo que ainda pode resolver, por entre as entrelinhas da lei. Resolver ou não, como suspeito, cá estaremos todos para ver. Mas também convenhamos que é preciso ser muito ingénuo para acreditar que o Shrek conseguia ultrapassar o problema da cauda da Ariel e viver feliz para sempre.

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