Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Sete Vidas Como os gatos

More than meets the eye

More than meets the eye

Sete Vidas Como os gatos

04
Jun09

As tardes de Mário

Rui Vasco Neto

Ao arrepio das expectativas de todos aqueles que esperariam encontrar Tony Carreira, Ágata ou mesmo Quim Barreiros a abrilhantar a emissão de hoje d'"As tardes de Júlia" na TVI, a produção do programa optou por convidar o Dr.Mário Soares, também artista, para uma conversa em tom intimista sobre a Europa e sobre este novo conceito de ser um europeu. Um desafio interessante, atendendo ao perfil do convidado, pouco dado a este género de programas onde o discurso político é interrompido a espaços por concursos de treta e mensagens publicitárias de inteligência grau zero. No entanto Mário Soares aceitou o convite e lá esteve, que eu bem vi com estes dois e bem ouvi com o par dos outros, não foi coisa que me tenham contado e de que se possa duvidar. Aconteceu, de facto, que eu vi.

 

Igual a si próprio, o ex-Presidente da República portuguesa aceitou o convite de Júlia Pinheiro e lá marcou presença naquele espaço de entretenimento televisivo primário, onde toda e qualquer mensagem é reduzida à expressão mais básica e elementar da comunicação, uma pobreza confrangedora que é a nossa realidade enquanto país e povo, lamentavelmente. Assim, Soares não cantou, não dançou, não tocou piano e sobretudo não falou francês, graças a Deus. Mas nem por isso deixou de corresponder ao que de si era esperado enquanto convidado especial de um programa onde a banalidade tem um registo muito próprio e altamente apreciado pela audiência. E nesse registo é da mais elementar justiça reconhecer que Soares não desiludiu, antes pelo contrário, destacou-se pela positiva ao fazer ouvir a sua banalidade acima dos guinchos da apresentadora, conseguindo até fazer passar aqui e ali um ou outro conceito mais elaborado de cidadania e de cultura política e social. Uma coisa é certa, em jeito de balanço final desta prestação televisiva de Mário Soares: podem até estar longe, já, as noites de glória do ex-presidente. Mas enquanto existirem as tardes de Júlia temos homem, está visto, por muitos e bons anos. Temos homem.

03
Jun09

Um parlamento sem vergonha

Rui Vasco Neto

É uma questão de semântica, é certo, isto de dizer 'classe política' para falar dos nossos políticos, que a têm tão escassa, mas pronto, seja. Porque foi mesmo a toda a classe política em geral que se dirigiram hoje duas das mais altas figuras do Estado português, directamente e sem rodriguinhos no discurso, em pleno telejornal da nação, matéria a três canais. Um zangado Provedor de Justiça cessante, que a partir de hoje se assume como simples cidadão, afirmou com pose crispada que 'a democracia está em risco', nada menos, classificando de 'obrigatório' este entendimento que tarda acontecer entre os deputados da nação, para finalmente se dicidirem quanto à eleição do seu sucessor.

 

E a seguir vem Jaime Gama, número dois da hierarquia do Estado logo depois do Presidente, batendo diapasão com uma ironia cáustica no recado não menos claro, sem interpretação alternativa: «Se os senhores deputados se entenderam sobre o financiamento dos partidos, agora também é uma boa altura para mostrarem o mesmo entendimento». Ponto final. Dois recados directos, o mesmo discurso sério em tom de alarme comum, o mesmo desprezo subjacente a cada palavra, a mesma referência ao que o povo tarda em chamar de 'escandaleira': aquilo que se está a passar com a eleição do novo Provedor de Justiça. E eu cá só vejo uma explicação para este fenómeno de singular indiferença geral: é que ninguém parece ter verdadeiramente noção do quanto estão aqui em jogo alguns dos nossos direitos fundamentais, direitos de todos nós. E se assim fôr também para tal eu só vejo uma explicação possível, assim, de repente: porque nenhum Provedor conseguiu até hoje deixar cunho pessoal à altura do cargo, talvez, não? Ou então andamos todos mesmo muito distraídos, digo eu, sei lá. Mas lá que dificilmente os senhores deputados conseguiam afronta maior que esta que vão fazendo, impunes, ao povo que os elegeu, isso parece-me certo. Embora se trate de gente particularmente activa e criativa nesse campo, há que reconhecer. E, naturalmente, sem a mínima noção de vergonha.

03
Jun09

The boogeyman?

Rui Vasco Neto

O jornal 'Público' faz hoje referência a uma curiosa análise política publicada no site da insuspeita BBC, e que traça um perfil da governação socialista onde se afirma que José Sócrates reduziu o défice orçamental graças ao corte nas pensões, ao aumento da idade de reforma e também retirando benefícios aos funcionários públicos. É um retrato verdadeiramente demolidor, sigamos a notícia para ter uma pequena noção do baque que o nosso primeiro ministro terá sentido ao lê-lo. Afinal, segundo a BBC, o governo de Sócrates “traçou a sua pioridade em reanimar a economia – que se encontrava há anos quase na cauda das tabelas europeias – e travar o crescimento do desemprego”. “Desde então, o seu Governo conseguiu reduzir profundamente as despesas públicas, através da redução de pensões, o aumento da idade de reforma e do corte de benefícios dos funcionários públicos, numa tentativa para diminuir um dos mais elevados défices orçamentais da Europa”. “As reformas – que alguns acusam de estar a destruir direitos sociais – receberam de imediato os protestos, na sua maioria dos trabalhadores do sector público”. Pode até ser só impressão minha, mas estava capaz de jurar que não é bem esta a imagem que o nosso primeiro gosta de ver no espelho pela manhã.

 

02
Jun09

O Ram-Ram

Rui Vasco Neto

Assumo: sinto a falta do meu amigo Daniel de Sá. É coisa que me dá às vezes, bué de vezes, como diria Pessoa, o próprio, se fosse vivo. Nunca lho confessarei, como é evidente, que eu cá não sou dessas lamechices, era o que mais faltava, olha agora... mas não resisto, não tento sequer resistir a publicar este naco de prosa que fui ontem pilhar, noite escura, ao Espólio do meu amigo que tão arredado anda destas nossas vidas, minhas e dele e suas também, evidentemente. Aliás, se ele ou alguém me perguntar porque me aventurei ao gamanço destas palavritas, porque pilhei sem vergonha, porque arrisquei a cadeia ou o degredo, quiçá a reputação, pois eu não hesitarei em afirmar convicto que foi por sua causa, caro leitor, em seu benefício exclusivo, por si apenas. E não, nunca pela inexcedível qualidade das mesmas, ou sequer pela inveja que me rói de as ver por lá e não por cá, onde tão bem ficam. Um pormenor de resto resolvido, como podem ler.


Em baixo: "O Ram-Ram"

Sete vidas mais uma: Daniel de Sá

 

O Ram-Ram não tinha dois dedos de testa. Nascera assim. Mas tinha coração. Coração e reflexos inacreditáveis. Ingénuo, parecia uma criança grande. A sua felicidade era completa com uma raqueta de ping-pong na mão e um adversário disposto ao sacrifício. Nisso, era o melhor dos Açores. E há muita gente que vive e morre sem nunca ter sido o melhor em nada. Porque a sua era uma língua de trapos, ficou-lhe o nome de Ram-Ram. Ou Quá-Quá. Não se ofendia.
 
Se fosse hoje, o Ram-Ram talvez não trabalhasse. Uma qualquer assistente social facilmente lhe concederia uma pensão de invalidez ou coisa parecida. Mas o Ram-Ram ganhava a vida honestamente como engraxador. Havia um professor que era um dos muitos que admiravam o seu talento desportivo. Por causa disso, não se atrevia a vê-lo ajoelhado a seus pés e tratava-o por Manuel. Mas entendia que não estava certo privá-lo do seu modo de ganhar dinheiro para o pão e alguma cerveja de vez em quando. Quando o encontrava convidava-o a acompanhá-lo à cervejaria. Ali ficavam ambos com os olhos à mesma altura. E o Ram-Ram exultava, anunciando aos circunstantes que o professor era seu amigo.
 
O professor não sabe se onde o Manuel está também se joga ping-pong. Mas sonha com um dia em que todos os homens tenham os olhos à mesma altura. Quer sejam engraxadores ou bancários, trolhas ou administradores. Um dia que não seja um dia de festa. Um dia que seja todos os dias.

 

Pág. 3/3

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Sete vidas mais uma: Pedro Bicudo

RTP, Açores

Sete vidas mais uma: Soledade Martinho Costa

Poema renascido

Arquivo

  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2012
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2011
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2010
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2009
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2008
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2007
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D