Esta coisa da gripe incomoda-me, confesso. O meu país incomoda-me, confesso. Esta coisa da gripe no meu país deixa-me à toa com o que pode vir por aí. Claro que a gente não pode nem deve ser pessimista, concordo. Mas a gente não pode nem deve ser parva, concordarão também, e para morrer de amor já basta a SIDA, não vejo necessidade de morrermos agora todos de estupidez. Vejamos.
Imagine que vive em Portalegre. Ou em Bordalheira de Orjais, tanto faz para o raciocínio, imagine só que vive algures nos 70% de país que não tem um bairro onde exista um hospital central num raio de uma hora, por exemplo. Depois estique a hora para duas, três, acelere até lhe apetecer na reflexão, nunca será demais porque vai haver sempre um português qualquer a viver num cu escondido deste mundinho pequenino, de cartão e faz de conta que é Portugal. Certo? Bom, agora imagine que apanha a gripe da moda. Sim, eu sei que você é gente séria, nem tem comportamentos de risco nem nada, não é maricas e não foi ao México, mas pronto, será feitio meu mas faça-me a gentileza de imaginar o que lhe peço. Suponha por um instante que a gripe chega a Portugal a sério. Estamos todos fodidos, é o termo, convenhamos. Ainda por cima nesta época de campanha pré-eleitoral, com toda a gente a atrapalhar, autarcas presentes, putativos e futuros, governantes presentes, putativos e futuros, tudo a querer aparecer na fotografia e dar o seu palpite em que nádega se deve dar a injecção, mais a classe médica que é fresca como se sabe, e mais o turismo porque é Verão e está sol, há sardinhas e Algarve, tudo very tipical e mais tudo o que faz esta gripe ser classificada de pandemia e estar no grau seis e último da escala de aviso mundial e a gente a fazer de conta que não ouve porque não quer ouvir, quer ir para a praia ou tem mais que fazer.
Mas claro, os gajos não sabem como são as coisas aqui na terra, aqui sabemos nós, os máióres. E o nosso Serviço Nacional de Saúde pode até ser uma grande merda e não há ministro que entre ou que saia que não diga isso mesmo à nação em palavras bonitas daquelas que os ministros usam para não dizer merda, evidentemente. Mas mesmo que eles não dissessem o país sabia-o na pele, e nos ossos, e na oncologia e na oftalmologia e em todas as outras especialidades, que diabo, sempre morremos disso por cá. Mas se viesse a gripe tudo era diferente, eles não conhecem Portugal, eles não sabem que a gente quando quer somos muita bons, nem sonham do que somos capazes quando é mesmo preciso...
Esta coisa da gripe incomoda-me, confesso. O meu país incomoda-me, confesso. Esta coisa da gripe no meu país assusta-me mais do que sou capaz de vos dizer aqui. Estamos mal, suspeito.