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«Desembrulha, rasga, cheira, sente, adora o presente que tens e faz dele a melhor prenda que a vida te pode dar... O passado é o nosso porto seguro, mas é para ficar fechado em ti tal como um livro que conheces de cor, livro esse de que os conhecidos levam apenas o título, os amigos a sinopse, e os desconhecidos fazem dele uma revista inventada ...
O futuro nem falo, pode nem existir...»
Joana Matilde Miranda ( Ciganinha)
Ontem não pude escrever, lamento, fui de viagem. Estive no Rio de Janeiro. Cheguei cedinho, ainda havia cruzeiros e generais, bonde e Chacrinha. Figueiredo dizia as últimas e saía da frente dessa imensa onda popular que trazia Tancredo Neves na cabeça, mais do que um nome ou mera pessoa, a verdadeira personificação daquela mudança há tanto tempo desejada na grande pátria amada. Também eu rezei pelas ruas, mais um pelo meio dos infindáveis cordões humanos que pediam a vida de Tancredo quando a saúde lhe falhou e o fez falhar, impedindo-o de atingir o objectivo primeiro do seu consulado. Chorei com todo o Brasil na sua partida e depois recebi Sarney, acordei com o Plano Cruzado e o exército nas ruas, desfilei na Sapucaí vestindo as cores da Portela/Tradição de Carlinhos Maracanã (o português mais brasileiro que eu conheci, presidente de escola de samba, presidente do Bangu e bicheiro, naturalmente), sonhei o amor impossível nas areias de Copacabana e vivi a paixão possível num apartamento do posto 4, Bolívar com Copa, último andar. Fui feliz, na generalidade, acho.
Na televisão o grande despique era entre a toda poderosa Rede Globo e a número dois Rede Manchete, o império dos Bloch em franca expansão ao tempo. Eu, mais modesto, dei-me por feliz como autor e apresentador na Rede Record, parte integrante do SBT de Sílvio Santos, hoje número um nas audiências, acima da Globo. Chamava-se 'Portugal mais Perto' o meu programa semanal, aos sábados nas manhãs da Record, e ainda dava tempo para fazer produção no Edna Savaget Show, exibido nas tardes da Bandeirantes e depois raspar-me para Jaguanum, minha ilha paraíso ao largo de Itacuruçá, três dias e três noites por semana.
Pelo Rio corri os inferninhos da Lapa, inebriado de memórias bebidas a toque de cavaquinho, sempre aninhado em violão. Nesse mesmo passo descobri Botafogo e Leblon, e mergulhei no passado em Ipanema ao ouvir o grande Kid Morangueira, Moreira da Silva de seu nome, figura genial no samba de breque. Trepeti o Canecão com Betânia, Gal, Chico Buarque e Paulinho da Viola, respirei o respirar de Caetano num inesquecível concerto intimista no Copacabana Palace e vibrei no Maracanãzinho com o Rei Roberto e no Maracanãzão com vários Fla-Flu e muita torcida vascaína em grandes partidas de tudo ou nada. Fiz rádio na Bandeirantes, fiz jornais e revistas, mandriei tardes inteiras nos areais da Barra da Tijuca e manhãs de três metades em lençóis de uma ternura que não mais reencontrei no meu caminho, tantas milhas já navegadas. Fiz canções lindas e ouvi muitas outras mais bonitas ainda, escrevi poemas que já esqueci e vivi poesia inesquecível, sussurada ao meu ouvido pelas ondas do mar a mando das ninfas e outros seres do pecado perfeito, esse estado de graça inventado pela suprema arte de viver do carioca. E quando eu julgava que o Rio já não me surpreendia mais, que já me tinha dado tudo e mais do que eu podia querer, eis que Iemanjá me faz a dádida maior de uma vida nascida da minha vida, mesmo no final do dia de ontem, 13 de Junho, na Casa de Portugal do Rio de Janeiro. Outra viagem começava naquele momento, lembro-me de pensar para comigo nesse dia 13 de Junho de 1986. E como será daqui por dias, meses, anos, muitos anos, vinte e cinco anos, por exemplo? Vinte e cinco anos... Vinte e cinco anos.
Pois é, ontem não pude escrever, lamento, fui de viagem. Estive ausente, daqui e de mim, por terras onde andei e em busca do que lá deixei, em busca de quem fui para ver se finalmente entendo quem sou, entre outras coisitas de somenos importância. Como estes vinte e cinco anos, por exemplo, que nunca sei que lhes fiz nem onde os pus sempre que preciso deles.
(Vega9000 in Aspirina B)
Quero, quero, quero,
quero tanto e não consigo
que às tantas eu desespero
por não querer estar comigo
neste querer que me transcende
e ninguém
(nem eu!)
entende...
Outras vezes quero pouco
e pouco peço,
coisas banais,
como um toque, um respirar,
um suave entrelaçar,
uma partilha de jeito,
um olhar, um recomeço,
um aconchego de peito,
algo que mate esta fome
que emagrece o meu viver
e me deixa meio louco
nesta ânsia de querer
tudo o que eu não quero mais.
Nem tudo o que quero tenho,
é claro,
ninguém consegue;
mas anuncio ao que venho
quando chego, a conquistar
o sonho que me persegue,
corações, terras, moinhos
e os ventos desse Ultramar
que é sonho dos pobrezinhos...
huummm.....
Queria tanto não querer!
(ou não querer assim tanto...)
ser mais meigo no viver,
mais manso no meu desejo,
nem apatia nem espanto,
nem ausência nem sobejo,
nem tão preto nem tão branco;
uma vivência intermédia,
mais leve...
Talvez comédia.
Esta semana pus um relógio, há anos que tinha deixado de usar. Nenhuma aversão ao tempo, nada disso, afinal ele leva-me de embalo na mesma e ignorá-lo não resolveria o problema, ainda que existisse um. O que não, não é o caso, a história do relógio é outra e eu próprio já a esqueci. O assunto agora é que voltei a andar com as horas no pulso, todos os minutos ao segundo para eu contar, esticar, cumprir, contornar, enfim, está lá a medida que marca e define a viagem, a parte do itenerário é que é comigo, depende de mim. Só tenho que olhar, consultar, checar os limites e seguir em frente, passo a passo, tic a tac, na velocidade que quiser e por rua, estrada ou vereda à escolha. Tudo o resto é suposto acontecer, tão simplesmente. Pfff. Se é assim tudo bem, afinal não custa, passo a usar.
E já que o tenho lá vou olhando, de quando em vez, mesmo quando não me faz diferença nenhuma serem oito e catorze ou dez e vinte e cinco. Olho só pelo hábito que entendi dever criar de saber a quantas ando. E o mal de olhar, é sabido, é que às vezes a gente vê mesmo, até aquelas coisas que não dão jeito ver na circunstância ou que nós passávamos bem sem nos lembrarmos que lá estão, escarrapachadas por detrás da visão perfeita que construímos em espírito daquilo que miramos por mero vício de mirar. O caso do meu relógio novo, por exemplo, é paradigmático. Olho para ver que são nove e vinte e acabo a constatar que a vida corre em sentido único, no caso o dos ponteiros, tic por tac mas sempre pela direita, aparentemente. E não, não é piadinha política, é só um lembrete pessoal das muitas vezes que entendi ir pela esquerda berrando que o mundo seguia em contramão... Mas vejo mais, vejo as horas e os minutos e ao somá-los percebo que passam apenas em função do que somos para os outros e não para dar chão ao que julgamos ser, erro em que muito incorri em tempos de miopia, às vezes cegueira da pior: aquela que nos embala no maior dos enganos ao garantir-nos que somos dias, somos meses, somos anos nas vidas daqueles que dizemos amar. Quando afinal um simples relógio, bem olhado, nos mostra que não passamos de um segundo fugaz, um mero nanocoiso perdido numa imensidão de milénios que tantas e tantas vezes vivemos sem vislumbrar, sequer ao longe. Ou, pior, que assim morremos sem saber a quantas andámos.
... que a equipa SAPO entendeu fazer-me a grata surpresa de mais uma vez oferecer destaque ao 7Vidas nas suas escolhas de blogs a visitar. Eu cá só não fico sem palavras porque não posso, afinal parece-me má altura para não usar todas as que tenha em stock e ainda inventar algumas, se possível, nem que seja para justificar mais esta distinção que, sinceramente, às vezes duvido merecer. Ao Pedro, à Jonas e restante equipa do batráquio os meus sinceros agradecimentos e um abraço cúmplice nesta paixão comum de dizer a vida em palavrinhas, dia a dia, ora mais ora menos, ora melhor ora pior. Mas dizer, sempre.
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