Crónica do Brufen
Um espírito sofrido é como um corpo doente, atacado de forte e incapacitante virose (como esta que por aí anda este inverno, por exemplo). Para um e outro, na circunstância, a maior e mais decisiva força curativa estará no passar dos dias, na famosa pomada do tempo que tudo cura, há tempos sem fim. Assim sendo há que confiar nesse trunfo maior: o poder regenerador dos dias que passam, cada um deles mais um passo seguro dado na direcção certa, a caminho da cura que é sabido morar no final de muitos e longos dias de sofrimento, cada instante uma batalha, uma busca contínua por todo e qualquer resquício de força que possa ser puxado e repuxado (Deus, como é poderoso o desespero dos aflitos) até ficar chão, firme e pronto para o instante seguinte e assim sucessivamente, qual maratona de caracol.
Tem uma questão, no entanto. É que não obstante ser real a possibilidade de um sucesso culminar todo este esforço de regeneração, a verdade é que a cura não vai aguardar indefinidamente pela reacção das nossas defesas, antes se trata de uma eventualidade com limite no prazo de espera, a partir do qual tudo se fica pela perspectiva, nunca além. É mais uma das muitas ironias do Divino, sempre pródigo em surpresas do género. Com a hora passada ou simplesmente não alcançada, a oportunidade morre na praia e na prática, com todo o capital de esforço e dedicação a esvair-se em cada uma das incontáveis fórmulas do ‘podia ter sido’, nas infinitas variações desse mágico ‘se’ que tudo pode, tudo serve e tudo permite, desde que no cercado da imaginação e não cá fora, no piso duro e áspero da realidade. E assim se escoam os dias, daí para a frente e para lado algum, deambulando sem direcção e sem sentido, numa ida sem volta e sem futuro. E sem cura possível, já, definitivamente.
Quando e se chegado a esse ponto o tempo é de rendição, sabemos todos, mais ou menos no fundo de cada um. Assim descobrimos o limite de todos os limites e, na passada, assim somos descobertos pela nossa maior limitação enquanto seres humanos. Depois é uma questão de tempo e de feitio, varia muito de pessoa para pessoa. Por mim entendo que será hora de preparar um adeus de jeito e encomendar uma despedida decente, mais à medida do que gostaríamos de ter sido do que propriamente fazendo jus ao que fomos de facto, o derradeiro luxo de qualquer miserável que se preze. E logo deitar pés ao caminho sem o carrego inútil de culpas, arrependimentos tardios ou ervinhas milagrosas que já nada podem fazer... pois que mesmo sendo certo que um espírito sofrido é como um corpo doente, atacado de forte e incapacitante virose, a verdade é que pouca ou nenhuma utilidade prevejo numa mesma terapêutica anti-inflamatória aplicada ao tratamento de tosse e dor-de-corno, em simultâneo.
Sugestões, alguém?