O sexo dos anjos
Procissão ainda no adro, o assunto 'pedofilia na Igreja Católica' vai fazendo a ordem do dia, dia após dia e todos os dias, na cadência de cada nova revelação, uma e outra a seguir a uma outra sempre mais escabrosa do que a anterior. Sempre mais inacreditável, tanto quanto dolorosamente real. É todo um mar de podridão que ameaça finalmente romper a barragem de cinismo e hipocrisia que vem suportando as águas até hoje, contido todas as revoltas por conta dos sempiternos mistérios da Fé, num jogo de vergonhas que só ganha quem não tem. E veja-se como são altas as paradas, neste começo: se uns meros salpicos já fazem escorrer tanta reputação de santidade para o esgoto dos vulgares humanos, então não quero nem imaginar a desgraça que se adivinha para o dia em que os telhados se partirem num estrondo de cacos, os diques cederem e a verdade flutuar, finalmente, lado a lado com os corpos inchados dos carrascos, vítimas de si próprios. Mas por ora o tempo é de chocante revelação, apenas. É tempo de digerir, devagar e a custo, aquilo que os nossos olhos sempre viram mas que o nosso coração sempre negou por força do horror inimaginável que implicava uma visão clara e objectiva da realidade. Mas agora, com o espírito atormentado e confuso, a comunidade cristã faz o natural: dobra o joelho e pede contas à Fé, posto ter depositado na alvura papal toda a sua derradeira esperança na santidade possível a um ser humano. Branco mais branco não há, crescemos a aprender. É por isso da boca de Sua Santidade que a Igreja viva aguarda uma palavra de orientação, um sinal de que vê e de como vê toda esta tragédia. Também a História aguarda para ser escrita, que o tempo é de novo capítulo em vários possíveis. Os olhos do mundo inteiro, católico e não católico, estão postos em Bento XVI e em tudo o que faça ou diga. Pois e afinal que diz o Papa a esta comunidade angustiada dos seus fiéis? Pouco, muito pouco. E sobre os casos recentemente denunciados de pedofilia na sua Igreja? Sobre esses diz nada, rigorosamente nada de concreto. Apenas um ou outro recado subtil, muito subtil como o da passada segunda-feira, em Castelgandolfo e durante o Regina Caelis, quando Sua Santidade recordou a todos os sacerdotes que «recebemos a missão de anjos» enquanto mensageiros de Jesus Cristo. A subtileza é inegável, há que convir. E o recado para todos os efeitos ficou dado, na minha modesta opinião. Afinal não tem discussão, o sexo dos anjos, nunca teve. Nem vai ter com este Papa, pelos vistos.